Pitacos sobre festas literárias e cadernos de cultura
Um editor assina contrato para um
futuro romance com um escritor que é "promessa literária", dono de
uma biografia meio duvidosa criada para se promover, e que escreve contos
ruins, com um amontoado de símiles beirando o clichê. Biógrafo e organizador
dos contos de uma grande escritora se torna uma estrela literária. Uma poeta
cuja obra é medíocre critica a obra de outro poeta medíocre, mas só porque ele
é o “presidente golpista”. Escritoras que em vez de falarem mais sobre
literatura se destacam pela reivindicação por diversidade de gênero e étnica no
evento. Escritor estrangeiro, que escrevia no Facebook e diz que não sabia que fazia
literatura, publica um livro, é convidado para a festa literária, é vaiado e
xingado de babaca por querer falar de seu livro e não sobre os problemas do seu
país e também por criticar os direitos humanos. Escritor que vende muito diz
não se importar com o leitor. Jornalista estrangeira (numa festa literária com
mais jornalistas do que escritores de literatura) que ganhou o mais importante
prêmio de literatura do mundo, apesar de não fazer literatura, é um dos nomes
literários de maior prestígio no evento. Escritor que escreveu sobre sua vida gera
manchetes sobre sua beleza. Outra manchete de jornal destaca o que um poeta falou
sobre a tragédia em Mariana e também o que uma escritora disse sobre a
violência contra a mulher. Gritos de “fora, fulano” e “não vai ter golpe” são
ouvidos durante as palestras, sendo que na última mesa, cujo principal motivo
era a leitura de trechos favoritos dos autores convidados, são projetados no
telão frases contra o presidente interino e um dos escritores termina sua
leitura pedindo a sua saída do governo. Bons escritores participam de mesas com
pouca repercussão. Outros bons escritores não são nem convidados. Outros bons
escritores nunca foram e talvez jamais serão convidados.
E a literatura, como vai? Respondo:
vai bem, obrigado, sendo escrita e lida por alguns poucos interessados, em suas
pequenas bibliotecas particulares, longe do turbilhão dos eventos que dão
destaque a tudo e a tratam como algo secundário. São esses abnegados que a
mantêm viva e centro das atenções.
*
Como os jornais têm o dom de acabar
com o que é bom. Depois do fim do Guia da Folha, deram fim na coluna "Para
ficar em casa", restando apenas uma parte dela, a "edição Cult e a
"edição Pop". Aqui no sul a ZH acabou com o caderno
"Cultura", que deu lugar ao bom "PrOA", mas que acabou
diluído dentro do caderno Doc. Antes ainda temos que lembrar o enxugamento do
"Prosa", de "O Globo" e o fim do "Sabático" no Estadão.
Claro que antes houve outros espaços nobres que eu adorava. O "Mais!" da Folha, por exemplo, foi minha
universidade junto com a universidade que eu cursava. Havia ainda o
"Ideias", do finado Jornal do Brasil. Na minha cidade, o jornal para
o qual colaboro também andou enxugando as páginas de cultura da semana e do fim
de semana. Tudo, claro, por questões econômicas, porque se fosse pelos
editores, continuaríamos tendo bastante espaço. Não é à toa que os jornais
estão decaindo, pois desprezam o leitor mais exigente tentando atrair o não tão
exigente que, por sua vez, se contenta com informações da internet. É a roda.
Comentários
Acho que foi aqui em seu blog que me despertei a curiosidade de ler Julio Ramón Ribeyro. Como Só para fumantes é magnífico! Foi um deleite profundo lê-lo nesse final de semana. De quebra, comprei o Prosas apátridas.