Sobre Passa-tres, de Orígenes Lessa
Estou tentando ler
todos os livros de contos do Orígenes Lessa, pelo menos os que eu consigo achar
para comprar na internet. Depois de O
escritor proibido, já comentado por aqui, e A cidade que o diabo esqueceu, li há pouco Passa-tres, primeira edição de 1935 e jamais reeditado, com a
grafia da época, como se percebe no título. “Distrahido”, “egreja”, “mez”, “apparelhos”,
são alguns exemplos de como as palavras tinham a escrita bem distinta. Vou
manter a grafia nesta resenha, colocando um sic
ao lado da palavra.
O que marca a obra
de Lessa é a simplicidade de um bom contador de história. Não era um escritor
experimentalista e explorador da linguagem. Os temas variam, com algumas
obsessões, como o suicídio e a superstição. Fiz algumas anotações sobre cada um
dos contos e compartilho com os leitores. Lembro que o livro não foi mais
reeditado e por isso deixo escapar algumas revelações dos enredos.
O primeiro conto é
“A virgem de Santa Anastácia”. O narrador, para se livrar de um mal entendido,
inventa ter visto a imagem de Nossa Senhora nos vitrais de uma igreja. A
notícia se espalha, milagres supostamente acontecem. Todos veem a imagem. Menos
ele. Em “O homem perigoso”, um sujeito é responsável por “dar peso”, expressão
da época que significa dar azar para as pessoas. “Havia sempre um geito (sic) de ligar o seu nome – explicação de
todas as desgraças. E o infeliz passou a ser temido. Fugiam delle (sic)” Como o anterior, um conto sobre a superstição.
Também sobre o mesmo
tema, mas inserindo também a questão do suicídio, “A morte a prazo fixo” traz
um sujeito que ouviu uma previsão de um espírito sobre o dia e a hora em que
iria morrer. Já em “Comprehensão (sic)”,
é inserido o elemento fantástico. Um viaduto, isso mesmo, um viaduto fala com o
narrador e conta a história do suicida que acabou de ser salvo pelo próprio
narrador: “Quantas vezes a gente passa insensível por verdadeiras tragedias (sic)”. Em outro conto, “A greve da
roupa”, também há um ser inanimado que fala, no caso, um terno. Vale lembra que
um dos clássicos juvenis do autor se chama Memórias
de um cabo de vassoura.
Em “A vida de José de Mello Simão”, a protagonista
é uma mulher que, digamos assim, “aprontava” em demasia. E quem seria o José do
título? “Shonosuké” conta sobre um japonês artista de rua que é alçado a gênio
da pintura por um mecenas. Há suicídio neste conto também.
Em “Revolta”, o
escritor Florivaldo Munhoz percorre livrarias perguntando se seu livro foi
vendido. O fracasso de um “gênio” literário é o tema. “O crime de hontem (sic)” retrata um personagem chamado
Papagaio, que comete um roubo e espera ver a notícia do seu crime no jornal.
“Gargalhada” é um
conto precursor do realismo mágico. Entre transmissões de rádio, começam a
aparecer algumas risadas, não se sabe de quem. As gargalhadas se espalham no
mundo todo, causando pânico e, inclusive, suicídios coletivos.
“Minha amante de
Adolpho Menjou” fala sobre a idealização do amor. “Messalina de Paralama” é um
conto trágico de carnaval. “A dama do beijo” é um conto cômico sobre a moral e
os bons costumes. “O capricho de S. Excia.” tem como tema o jogo de roleta. Por
último, o conto que dá título ao livro, a vida de um notório caloteiro, que
vive pedindo dinheiro emprestado e nunca devolve.
A Global vem reeditando a obra de Orígenes
Lessa. Espero, portanto, que Passa-tres seja
contemplada com uma nova edição.
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