As bacantes e o carnaval
(Fonte da imagem: https://mitologiasite.wordpress.com/2015/10/04/as-bacantes/)
Andei relendo, durante as férias, as
principais tragédias gregas, seguindo a ordem proposta pelo guia de Pascal
Thiercy editado pela L&PM. Depois de ler as biografias de Ésquilo,
Eurípedes e Sófocles, comecei com a apreciação de As bacantes, na tradução de Mário da Gama Cury, em volume editado
pela Jorge Zahar Editora. Pode-se dizer que a obra é uma ode ao vinho e ao seu
deus Dionísio, que recebe o nome de Baco na mitologia romana.
“De fato, sem o vinho onde haveria amor?
Que encanto restaria aos homens infelizes?”
Também conhecida como As mênades, a tragédia foi escrita por
Eurípedes entre 408 e 407 a.C. Fala sobre a punição de Dionísio imposta a seu
primo Penteu, rei de Tebas, e sua tia, Agave, por terem desonrado o nome da mãe
desse deus, Sêmele (suas irmãs a difamaram, dizendo que ela teria mentido ao
dizer que havia gerado Dionísio a partir de uma relação com Zeus), e também por
não prestarem o culto que ele, Dionísio, merecia, apesar de ele ser oriundo de
Tebas. Tomando forma humana, o deus entra na cidade e enfeitiça suas tias
tornando-as bacantes e faz com Agave mate seu próprio filho, esquartejando-o
como se fora um leão.
De certa forma, esta tragédia, na minha
leitura, reflete um pouco a relação que se tem hoje com o carnaval. Há uma
resistência de muitas pessoas quanto ao festejo, ligando-o a orgias (bacanais,
de Baco), bebedeiras e mortes. As pessoas se fantasiam para viver este momento,
como o faz Dionísio na peça, se embriagam, são enfeitiçados como as bacantes
para que lhe prestem o culto e cometam, de “brincadeira”, ações que não fariam
na sua vida “real”, como ficar nuas e matar animais. A partir da ideia do
filósofo Nietzsche de nós seres humanos sermos ora apolíneos ou ora dionisíacos,
é no carnaval que colocamos em suspensão a razão em favor da emoção.
Mas o motivo principal do carnaval é
esquecer as tristezas, e nisso somos ajudados pela bebida: Dionísio
“descobriu e revelou
o leve suco produzido pelas uvas
para curar de suas muitas amarguras
a triste raça humana; a simples ingestão
do néctar tirado das uvas, nos concede
o esquecimento dos males cotidianos,
graças à paz do sono, único remédio
para nossos padecimentos.”
Por isso, segundo a peça, devemos
cultuar os deuses:
“Sendo deus
Dionísio é dado a outras divindades
e lhe devemos todo o bem que elas nos fazem.”
De minha parte, cultuo os deuses gregos através da literatura, no aconchego da minha biblioteca, longe da folia. É o meu carnaval pessoal.
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