Um balde de cólera
Há escritores que
param de escrever, se isolam, não querem mais saber do mundo ao seu redor. Confesso
que os invejo por poderem fazer isso. Foi esta a escolha de Raduan Nassar até
há pouco tempo, quando resolveu voltar aos holofotes não para escrever
literatura, mas sim para defender o governo Dilma e reforçar o chavão do
“golpe”.
Com uma obra curta,
porém consolidada, sendo o romance Lavoura
Arcaica sua obra-prima, foi indicado, ainda durante o período petista, a
receber o Prêmio Camões de Literatura, curiosamente logo depois de sair do seu
isolamento. Apesar de não concordar com a escolha, justamente por ele ter
desprezado a literatura durante todo este tempo e de ter outros bons autores
ainda em atividade na fila, ainda assim é merecido. Poderia até ter feito como
o angolano Luandino Vieira, que em 2006 recusou o prêmio alegando não ter
publicado nada há anos, no entanto não o fez, o que é compreensível.
O problema maior foi
o discurso realizado durante a entrega do galardão no dia 17 de fevereiro. Não
pelo conteúdo ideológico, diga-se, pois todo o artista tem o direito (e para
muitos o dever, do que discordo) de se posicionar politicamente. O momento, no entanto,
foi inoportuno. Um prêmio como este tem o objetivo de valorizar a literatura,
uma forma de arte que tem pouco espaço e precisa ser discutida. É necessário,
numa oportunidade dessas, falar sobre sua relevância. Como ela parece não ser
mais importante na vida do autor, o espaço foi usado como um palanque político,
num discurso indigno do grande escritor, por se utilizar de ideias nada
originais, repetidas a esmo por militantes, num amontoado de lugares-comuns. Raduan
Nassar tem, se realmente não a perdeu, capacidade de escrita maior do que a
apresentada.
A plateia, formada
em boa parte por intelectuais que estão de acordo com essa narrativa de
esquerda, ouviu tudo silenciosamente e depois aplaudiu. Até aí, não se esperava
nada de diferente. Quando o Ministro da Cultura Roberto Freire (cuja presença
no ministério é uma das tantas furadas do governo Temer) tentou responder às
acusações, no entanto, foi interrompido, vaiado, ouviu gritos histéricos (por
que não fiquei surpreso ao saber que um desses gritos veio da Marilena Chauí?)
daqueles que defendem, dizem, a volta da democracia. Depois foram presos por
terem contestado o governo opressor, ou estou enganado?
O ministro, que
minutos antes elogiava o escritor nas redes sociais, se viu na obrigação de
lembrar que era o governo chamado de golpista que estava oferecendo o dinheiro
do prêmio. Mais coerente, portanto, seria recusá-lo, o que obviamente não
aconteceu, assim como o governo antidemocrático não confiscou esse valor, como
o faz o cubano. Vale lembrar que o Brasil arca, na verdade, com a metade da
premiação concedida, sendo a outra de responsabilidade de Portugal.
As discussões
continuam nas redes sociais, a ágora moderna. Quem ousa criticar o autor de Um copo de cólera pela sua atitude
recebe um balde de cólera na cabeça, jogado pelos defensores da democracia que
querem exclusividade em contestar algo.
De tudo isso, no
entanto, fica uma certeza: a literatura perdeu mais uma vez para a política.
Comentários
É verdade, o escritor poderia não ter ido ao evento ou não ter aceito o prêmio, pelo menos a metade que foi paga pelo governo brasileiro.
Pior mesmo, foi ver aquela claque senil, vaiando o ministro. Nunca concordei com vaias, mesmo quando eram dirigidas à ex presidente Dilma, porque acho que, independente de quem seja a pessoa, ela está desempenhando um papel.
Mas, esperar coerência de esquerditas é perder tempo.
Abraço, Francisco