Nossos monstros interiores
Quando lemos sobre a violência ou, pior, quando a sofremos, perdemos muitas vezes o próprio controle pensando também em praticá-la. Queremos fazer justiça com as próprias mãos, queremos pena de morte, queremos que o criminoso sofra. Será que somos, então, violentos por natureza? Ou, como disse Jean-Jacques Rousseau, “o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe”? A literatura e o cinema podem-nos fazer refletir sobre isso.
O médico e o monstro, romance escrito por Robert Louis Stevenson no século XIX, traz o personagem Dr. Jekyll, que defende a teoria de que o ser humano não tem uma alma ou psique, mas sim duas. O lado bom se esforça para fazer o que é considerado o correto e o lado mal são os impulsos animalescos reprimidos. Se esses dois lados fossem separados, o homem alcançaria a sua liberdade, pois o lado mal deixaria de perturbá-lo. Para isso, ele cria uma poção química, conseguindo separar essa duas personalidades. Surge o Mr. Hyde, seu lado mal, que se mostra muito mais forte, acabando, aos poucos, por tomar o lugar do lado bom. Vejo nessa história uma analogia do uso de drogas. A maioria dos casos de violência decorre do uso de substâncias que liberam o lado ruim que temos, repreendido pela sociedade. Quando se bebe muito, é revelada a verdadeira personalidade do indivíduo. Acontece que nem todo bêbado sai cometendo barbaridades por aí, uns até se tornam extremamente amáveis, assim como nem todo consumidor de maconha é bandido.
Lançado nos cinemas recentemente, o filme O lobisomem retrata um dos mitos mais antigos da humanidade. Na mitologia grega, o rei Licaonte serve a Zeus carne humana e, como castigo, o deus dos deuses o transforma em um lobo. Do nome do rei deriva a palavra licantropia, distúrbio mental no qual a pessoa pensa ter se transformado em algum animal. Pois o lobisomem é a grande metáfora do mal dentro de cada homem, mesmo que este seja uma pessoa boa, como diz a frase inicial do filme: “até um homem que é puro de coração, e reza suas orações à noite, pode-se tornar um lobo quando o acônito floresce, e a lua do outono estiver cheia e brilhante”. O acônito, também chamado de mata-lobos, é uma planta venenosa, simbolizando o mal que surge da terra, ou seja, da natureza. A lua cheia representa o estímulo exterior para que esse lado ruim venha à tona. Faz parte da natureza o lado mal que temos, mas a influência da sociedade não pode ser descartada. Algumas pessoas, porém, têm mais capacidade para controlar esse lado ruim, enquanto outras, por qualquer provocação, têm reações extremas.
Escrevi que a literatura e o cinema podem-nos fazer refletir sobre o assunto, mas apenas refletir, não mais do que isso. Não dá para se chegar a uma conclusão sobre esse mistério guardado dentro de cada um de nós. Ninguém está livre de cometer um ato insano. Então, quando condenamos uma pessoa, estamos na verdade julgando a nós mesmos. Nós, que fazemos parte da sociedade, somos os culpados pela violência. Nós, que não temos controle sobre nossos extintos, somos culpados pelo mal existir.
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