O mundo de Zuckerman
No Traçando Livrso de hoje, minha coluna no jornal Gazeta do Sul: http://www.gaz.com.br/gazetadosul/noticia/332019-o_mundo_de_zuckerman/edicao:2012-02-29.html
Um volume para conhecer melhor quem é Nathan Zuckerman, escritor
americano, nascido em Newark, Nova Jersey, autor de Carnovsky, romance que causou muita polêmica por retratar com
tintas nada amigáveis uma família judia e os hábitos sexuais do jovem que empresta
o nome à história. São três romances mais um epílogo que desvendam quem é o
famoso e milionário escritor.
Zuckerman, na verdade, também é personagem. Seu criador é Philip Roth, escritor americano, nascido
em Newark, Nova Jersey, autor de O
complexo de Portnoy, romance que causou muita polêmica por retratar com
tintas nada amigáveis uma família judia e os hábitos sexuais do jovem que empresta
o nome à história. Os três romances e mais o um epílogo estão reunidos em Zuckerman
acorrentado (Companhia das Letras, tradução de Alexandre Hubner, 552
páginas) e foram lançados originalmente entre 1979 e 1985.
O primeiro elo da corrente é O escritor fantasma, publicado antes
no Brasil com o título O diário de uma
ilusão. Temos aqui um jovem aspirante a escritor que vai visitar seu ídolo
literário, E. I. Lonoff, buscando orientações sobre o processo de escrita.
Acaba, porém, envolvido nas brigas entre Lonoff e sua mulher, provocadas
principalmente pela presença de outra jovem admiradora do escritor, que vive há
alguns meses na casa, cuja vida passada esconde um segredo: seria a moça
realmente Anne Frank, a autora do famoso diário, tendo sobrevivido nos campos de
concentração?
No segundo elo, Zuckerman libertado, cuja ação se
passa anos depois do romance anterior, Nathan já é um famoso escritor. Acaba de
receber um importante prêmio pela polêmica obra Carnovsky, o que lhe proporciona morar num belo apartamento e ter
contato com celebridades. Encontra, por outro lado, os dissabores, como a
confusão que sua família e alguns admiradores fazem entre a vida da personagem
e a vida do próprio autor. O título é paradoxal, na medida em que Zuckerman está
preso dentro da própria fama e das coisas que escreveu.
Lição de anatomia, o terceiro elo, traz um escritor sofrendo de uma dor terrível nas
costas, fruto talvez do bloqueio criativo pelo qual está passando. Trata também
das relações conflituosas entre escritor e crítico, representado aqui por
Milton Appel, a quem Zuckerman acaba odiando pelas pesadas opiniões contrárias
a sua obra.
O elo final é Orgia de Praga, que fecha a obra com
uma visita de Nathan à terra de Kafka para obter um volume de contos
supostamente escrito pelo pai de outro escritor que conheceu em Nova Iorque.
Acaba se envolvendo com uma mulher ninfomaníaca (também escritora) e se sente
ameaçado pela perseguição comunista.
A coletânea, por ser metanarrativa, possui interessantes reflexões
sobre o ato de escrever: “Inventar pessoas. Uma atividade benigna quando você
está datilografando no aconchego do seu escritório.” “O único paciente atendido
pelo escritor é ele próprio.” “Isso é igual a escrever. É você sozinho com uma
montanha e uma picareta. É você consigo mesmo, no maior isolamento, com uma
empreitada quase irrealizável pela frente. Isso é escrever.” Prato cheio e suculento para o leitor que, assim como
o jovem Nathan, também é aprendiz de escritor.
Mergulhar no mundo de Nathan Zuckerman é conhecer o lado bom e o
lado ruim da vida literária, suas angústias, suas decepções, seus sucessos e
fracassos, tanto na vida profissional como na pessoal. É também entender o
universo da ficção de Philip Roth. Ao se completar a leitura das 552 páginas,
ouve-se a voz do soldado da alfândega dirigida a Zuckerman ao sair da
Tchecoslováquia, e que serve para nós, leitores: “foi uma honra entreter o
senhor. Agora pode voltar para o seu mundinho”.
Cassionei Niches Petry é mestrando em Letras pela Unisc, com bolsa
do CNPq. Vive no mundinho dos livros, para fugir do mundinho da vida real.
Escreve quinzenalmente para o Mix e mantém o blog cassionei.blogspot.com.
Comentários
Que bom que permaneceu na coluna e que belo texto temos aqui!
Abraço do amigo!
Charlles, alguns dizem seremobras menores do Roth, mas eu gosto destes textos mais metaliterários, como tu bem sabes. Li os outros do Roth, sim.