: (dois pontos)
Tenho
uma folha branca
e limpa à minha espera:
mudo convite
tenho uma cama branca
e
limpa à minha espera:
mudo convite
tenho uma vida branca
e limpa à minha espera:
Os versos de Ana Cristina César param no vazio. O convite,
mudo, foi atendido em parte. Enquanto viveu, escreveu. Viu, porém, uma nuvem
branca e limpa à sua espera e aceitou outro convite. Desceu do salto. O salto
para o vazio. Outro poema seu diz:
a janela aberta
uma certa paisagem
sem pedras ou
sobressaltos
meu salto alto
O verso ou a vida? A palavra ou o silêncio? A poesia ou o
suicídio?
Escrever é dar o salto sem saber onde se vai cair. Escrever é
uma tentativa de suicídio. Ana C. preferiu o suicídio não metafórico, assim
como outras escritoras. Virgínia Woolf viu o mar imenso à sua espera, preencheu
o vazio dos bolsos do seu casaco com pedras e aceitou o convite. Alejandra Pizarnik
deixou vazio um vidro de barbitúricos. Sylvia Plath abriu o forno vazio e o preencheu com gás. Elas nos
deixaram vazios. Elas nos completaram com suas obras. E ficaram vazias.
Tenho uma tela branca e limpa à minha espera. O cursor faz
um mudo convite. Devo preencher não somente o vazio da tela, mas também outro
vazio:
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