Um filme sobre sexo nada prazeroso
Depois de assistir no
canal A&E, no meio-dia desse sábado chuvoso, a um documentário sobre o assassinato
do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, decidi finalmente ver seu derradeiro
filme, Salò ou os 120 dias de Sodoma,
lançado em 1975. Uma obra de arte
para quem tem estômago forte e também cérebro para refletir sobre as metáforas
e não julgar as cenas como simples pornografia.
Baseada no romance
do Marquês de Sade, cujo sobrenome originou a palavra sadismo, a película traz
a história de quatro libertinos, importantes figuras da república fascista de
Mussolini nos anos 40: um Duque, representando o poder da nobreza; um
Monsenhor, representando o poder da Igreja; um Magistrado, representando o
poder judiciário; e o Presidente do Banco Central, representando o poder
econômico. Eles aprisionam oito rapazes e oito moças em um castelo para abusar
deles das piores maneiras possíveis: os estupram, os obrigam a comer fezes, os
torturam, etc. Em meio a isso, três velhas ex-prostitutas narram histórias de
sua profissão para provocar a excitação dos senhores, compondo os três ciclos
em que se divide o filme.
No ciclo das manias,
a primeira narradora conta sobre diferentes taras que tinham seus clientes,
como obrigá-la a imitar animais. No ciclo da merda, a outra narradora conta
histórias sobre sexo envolvendo fezes. Nessa parte, os senhores promovem um
jantar cujo prato principal são os excrementos dos jovens prisioneiros. No
ciclo do sangue, as sevícias chegam ao auge, culminando com tortura, mutilação
e morte de alguns jovens. Em uma das cenas, uma das vítimas é escalpelada.
Outra tem sua língua cortada, enquanto um rapaz tem seu pênis queimado pela
chama de uma vela.
O impacto causado pelas cenas explícitas é pleno
de simbologias. A “santa ceia” com fezes, por exemplo, remete ao fast-food norte-americano, enquanto que
o falso casamento entre três dos senhores vestidos de mulher e seus guardas
revela a decadência do matrimônio como instituição respeitável.
O polêmico e obsceno Salò, censurado em diversos países, é uma forte crítica ao abuso de
poder que torna o ser humano um objeto manipulável, indefeso e sem reação. Pasolini
afirmou em uma entrevista: “Além de ser a metáfora da relação sexual
(obrigatória e pavorosa) que a tolerância do poder consumista nos faz viver nos
dias de hoje, todo sexo que aparece em Salò
(e do modo como aparece) é também a metáfora da relação de poder entre aqueles
que a ele se submetem. Em outras palavras, é a representação (talvez onírica)
daquilo que Marx define como a alienação do homem: a redução do corpo à coisa
(através da exploração).”
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