No Traçando Livros de hoje, novo romance de Milan Kundera
A festa imperdível de Kundera
Indiscutivelmente,
os romances e os livros de contos de Milan
Kundera trazem algumas peculiaridades, entre elas, a divisão em sete partes.
Destaca-se também a presença dos prefixos “in” ou “i” em algum dos seus
títulos. Sua obra mais famosa é um exemplo: A
insustentável leveza do ser. Prefixos de negação ou ausência revelam, de
certa forma, os temas propostos pelo autor. No seu recente lançamento, A
festa da insignificância (Companhia
das Letras, 134 páginas, tradução de Teresa Bulhões de Carvalho Fonseca), há
uma reflexão filosófica sobre ausência de algo relevante na vida cotidiana de
quatro “heróis”: Alain, Ramon, Charles e Calibã.
Inseparáveis
mesmo quando não estão juntos, os quatro amigos transitam pelas ruas, museus,
praças e festas de Paris, refletem sobre umbigos de mulheres, as pessoas
entediadas em um museu, sobre Stálin e o comunismo, o humor, anjos, o
narcisismo: “Com D’Ardelo, você não está diante de um insignificante, mas de um
Narciso. E preste atenção no sentido exato dessa palavra: um Narciso não é um
orgulhoso. O orgulhoso despreza os outros. Os subestima. O Narciso os
superestima, porque observa nos olhos de cada um sua própria imagem e quer
embelezá-la.” Se o início do romance, a personagem Alain se pergunta no que há
de sensual nas mulheres deixando à mostra seus umbigos, parte do corpo tão
insignificante, o leitor percebe depois que é o “olhar para seu próprio umbigo”
a tônica da história, ou das histórias que são contadas.
Insólitas
muitas vezes, as narrativas que permeiam o livro tratam desse
“eu-como-centro-do-mundo”. Stálin, por exemplo, presença direta ou indireta
como sombra nos romances de Kundera, nos é mostrado como o típico ser humano
que vive unicamente para si próprio e que gosta inclusive de ouvir falarem mal
dele, pois mesmo assim é o centro das atenções. A personagem D’Ardelo, cuja
festa de aniversário tem como convidados integrantes da burguesia parisiense, mente
a Ramon que está com câncer só pelo prazer de ser lembrado por isso. Calibã,
ator em decadência, trabalha como garçom na festa, auxiliar de seu amigo
Charles, e finge ser um paquistanês para ser a atração exótica do evento, porém
sem muito sucesso. Para serem o centro, as personagem se negam ou se tornam
ausentes. Será por isso que Kundera não dá mais entrevistas e não se deixa ser
fotografado?
Inevitável
afirmar que A festa da insignificância
é um pequeno grande exemplo de como se pode fazer Literatura, com L maiúsculo,
de qualidade e com reflexões filosóficas, e ainda por cima ser um
"best-seller". Não é o melhor de Milan Kundera, mas ele continua inventivo,
intemporal, impagável.
Cassionei
Niches Petry é professor, mestre em Letras. Autor de Arranhões e outras feridas
(Editora Multifoco) e Os óculos de
Paula, que será publicado brevemente. Escreve regularmente para o Mix e
mantém um blog, cassionei.blogspot.com.
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