Nélida Piñon mostra suas armas
Os contos de Sala de armas (Editora Record, 124
páginas, esgotado) nos mostra uma autora de leitura difícil, complexa, que mais
sugere do que conta. Porém, se o leitor for paciente e participativo, desfrutará
de uma ótima obra literária, repleta de relações intertextuais, principalmente
com a mitologia. Como um personagem do cruel conto “Sangue esclarecido”, Nélida
Piñon abre a porta e nos convida, como animais sedentos que sentem o cheiro da
presa, a participar desse festim.
Boa parte dos
enredos giram em torno de relacionamentos. Homens e mulheres, quase sempre não nomeados,
encaram um mundo duro, de desencontros e conflitos, de perdas e incertezas. No
primeiro conto, “Ave de paraíso”, a mulher recebe visitas do homem,
oferecendo-lhe “torta de chocolate e licor de pera, as frutas colhidas na horta”.
O relacionamento se mantém durante muito tempo dessa forma, até que se casam,
mas ele continua não morando com ela, causando, claro, estranhamento entre
parentes e vizinhos, a mulher sendo cobrada por aceitar essa situação. Assim como
colhia as frutas, esperava colher um fruto desse casamento. Por isso esperava.
O mesmo acontece num
conto mais próximo do final do livro, intitulado justamente “Colheita”. Aqui o
marido se ausenta por anos: “Competiam-lhe andanças, traçar as linhas finais de
um mapa cuja composição havia se iniciado e ele sabia hesitante”. Os vizinhos mais
uma vez aparecem como o olho que julga. E ela, como Penélope esperando por
Ulisses, rechaça os regalos dos pretendentes, sabendo que o marido voltaria.
Em “A sagrada família”,
os primos se casam depois de brigarem “por questões de inventário” e seguem se
odiando depois disso, para depois o filho tomar posse de tudo. Em “Vida de
estimação”, um casal que não tem filhos “adota” um bezerro, também sob o olhar
de estranhamento dos vizinhos. Em “Adamastor”, o personagem baixinho, cuja “fraqueza
era gostar de mulher”, se entristece ao saber que seu nome se refere ao gigante
da epopeia de Camões.
A presença feminina
na obra de Nélida Piñon é marcante (vale lembrar que ela foi a primeira mulher
a presidir a Academia Brasileira de Letras), no entanto cria personagens
masculinos igualmente fortes. É uma escritora, como escrevi antes, muito
difícil, mas vale a tentativa de entrar no seu mundo simbólico.
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