Marcelo Moutinho no Traçando Livros de hoje

A coluna de hoje, no jornal Gazeta do Sul, caderno Mix, é sobre o novo livro de contos do escritor carioca Marcelo Moutinho: http://www.gaz.com.br/gazetadosul/noticia/337257-de_palavras_e_nao_palavras_faz_se_o_conto/edicao:2012-03-28.html


De palavras e não palavras faz-se o conto


De pequenas ausências se faz a boa literatura. A ausência de palavras, por exemplo. A arte literária se elabora a partir não do que está na superfície do signo, mas sim dos espaços em branco. “Que é poesia?/Uma ilha cercada de palavras por todos os lados”, escreveu o grande e ausente poeta Cassiano Ricardo.
O mais recente livro de contos do carioca Marcelo Moutinho leva no título essa premissa. A palavra ausente (Rocco, 120 p.) reúne 10 histórias curtas que revelam não revelando as faltas e as perdas que acontecem em nossas vidas: da dignidade, do respeito, da tolerância, do amor, do jogo, do emprego, da esperança, do que dizer.
Moutinho ausentou as palavras para escrever prosas poéticas. Ele sugere e não diz. Ou simplesmente silencia. Não sabemos o destino do pai doente do primeiro conto, “Água”, tampouco para onde vai o casal homossexual de “Cavalos-marinhos”, conto inspirado em uma música da Legião Urbana. Também não ficamos sabendo quem liga para a casa de Dalva quase todas a noites, no conto “Interlúdio”, procurando por uma tal de Márcia. Da mesma forma nos é negado saber se o menino vai um dia ganhar um jogo de futebol a que seu pai esteja assistindo, o que não acontece no relato “Jogo-contra”. Não ficamos sabendo se a Dindinha do conto homônimo terá um dia bom depois de um ruim. Não sabemos, mas podemos imaginar, criar, completar a obra do artista.
Não há nada mais ausente do que aquele que limpa os banheiros numa quadra de uma escola de samba (“Folia”), principalmente depois de ter sido, no passado presença marcante como mestre-sala. Nada mais ausente do que o autor de frases em cartões de Natal ou Páscoa (“Um cartão para Joana”). No conto “Dona Sophia”, invisível é a empregada de um hotel que recebe uma grande poeta. Por sinal, somente essa escritora, com a sensibilidade de quem vive as ausências na sua escrita, notou a presença daquela que a servia. Marcelo Moutinho torna visíveis essas personagens, lhes dá um lugar de “estrelas riscando o céu, como se abrissem fendas para a noite passar” (“Céu”).
“Sempre detestei chavões”, diz o narrador-personagem de “Para ver as meninas”, enquanto ouve a música de Paulinho da Viola dentro de um ônibus. O lugar-comum, no entanto, é o que vem à mente do resenhista. Faltam palavras para fechar um texto que fala sobre outros textos que por sua vez tratam da falta. Resta apenas dizer que os contos de Marcelo Moutinho preenchem uma ausência de outros textos de qualidade na nossa literatura. Resta esperar também que livros como esse não faltem mais nas nossas estantes.
Cassionei Niches Petry é mestrando em Letras e bolsista do CNPq. Quinzenalmente trabalha com a ausência das palavras no Mix e mantém o blog cassionei.blogspot.com, de onde se ausenta frequentemente.

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