Traçando livros de hoje é sobre narrativa de Paulo Scott
"Traçando livros" é minha coluna no jornal Gazeta do Sul, caderno Mix, publicada de 3 em 3 semanas.
“Nenhum homem é uma ilha”
Cassionei
Niches Petry
“Mais insular do
que gregário.” Assim se define Humberto Gessinger em um texto do seu blog. Insular também é o título de seu álbum
solo, ainda inédito. Numa época em que a coletividade saiu às ruas, parece até
um crime viver no seu mundo particular, fazendo a sua parte na história e não
apenas fazendo parte dela. A frase do líder da hibernada banda de rock
“Engenheiros do Hawaii” chegou a mim enquanto lia o romance Ithaca Road, de Paulo Scott (Companhia
das Letras, 110 páginas). Sincronicidadeas junguianas na infinita highway.
O título lembra a
ilha fictícia governada por Ulisses, herói do poema épico Odisseia, de Homero, mas se passa em outra ilha, a Austrália, mais
precisamente em sua capital, Sidney – “esta cidade e país, este lugar de
resistência, de geografia insular”.
Faz parte do projeto “Amores expressos”, que levou escritores a grandes cidades
do mundo com o objetivo de imergirem na cultura local e criarem histórias de
amor que, posteriormente, pudessem virar filmes.
Íthaca aqui pode
ser a Austrália, uma enorme ilha no Novíssimo Mundo; o apartamento em que vive
a protagonista, Narelle, ou o seu próprio isolamento interior, provocado pela
doença que sofre, a psoríase; ou ainda o isolamento em que vive Anna, uma jovem
autista, doença que justamente causa uma dificuldade de socialização do
indivíduo.
Narelle,
neozelandeza, portanto insular de nascimento, estava vivendo na Irlanda, outra
ilha, quando foi chamada para assumir temporariamente o comando do restaurante
de Bernard, seu irmão. Fica sabendo que o negócio está em processo falimentar,
em meio à crise econômica de 2008, e que seu irmão fugiu por isso, não
conseguindo manter contato com ele. Cabe a ela enfrentar um administrador de
falência exigente e frio – que bem poderia ter vindo das páginas kafkianas –,
enquanto tenta manter o estabelecimento funcionando, como se estivesse, do
mesmo modo que Penélope na Odisseia, tecendo uma colcha enquanto
espera, nesse caso, pelo verdadeiro dono do restaurante.
No meio disso tudo,
Narelle está longe do namorado, Jörg – jornalista investigativo que faz uma
reportagem no Brasil –, e mantém uma amizade próxima e ao mesmo tempo distante
com Trixie, com quem conversa num café enquanto está conectada no Skype. É com Anna,
no entanto, que Narelle mais se identifica – “Anna me faz bem. Temos coisas em
comum. Acho que a única grande diferença é que estou mais preocupada em partir,
e ela, ao modo dela, em chegar” –, o que as faz viverem cada uma o seu mundo, o
seu pequeno mundo. Por isso a narrativa é curta, minimalista, delicada, mas
também áspera como a pele da protagonista.
A frase de John
Donne que intitula essas minhas impressões de leitura dialoga com outra de
Humberto Gessinger: “Todo mundo é uma ilha”. A literatura do gaúcho Paulo
Scott, não apenas em Ithaca Road, mas
também no seu romance anterior, Habitante
irreal, nos mostra que cada indivíduo é uma ilha, porém envolvido por acontecimentos
culturais, políticos, econômicos e sentimentais dos quais é impossível fugir.
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