Diário crônico II – Dia verde
Pensei em escrever
sobre a morte de Gabriel García Márquez. A timeline do meu twitter, no entanto,
me lembrou de que hoje é o aniversário da rainha da literatura brasileira,
Lygia Fagundes Telles. Ela está aí, viva, fazendo 91 anos. Celebremos a vida.
Ela poderia escrever
durante toda a sua carreira um conto apenas, “Venha ver o pôr do sol”. Somente
essa pequena grande obra-prima já a colocaria entre meus escritores preferidos.
As poucas páginas nos conduzem a um portão de um cemitério abandonado, em cuja
frente crianças brincavam de roda. Um homem levava a sua amada – que o havia
abandonado para se casar com um homem rico –, a fim de assistirem juntos, pela
última vez, ao sol morrer. O barulho das dobradiças do portão enferrujado, o
reboco dos muros rachando, o mato rasteiro tomando conta das alamedas, tudo mostrava
o abandono, a decadência do lugar.
O homem se mostrava
amável, lembrando fatos do relacionamento dos dois, enquanto a mulher,
impaciente, demonstrava a todo o momento sua contrariedade por estar naquele
lugar e jogava na cara o fato de estar rica.
O clímax acontece
bem ao fundo do cemitério, num jazigo de uma filha que o homem afirmava ser a
sua. Seria ali que a sua amada veria o pôr-do-sol mais lindo de toda a sua
vida. Paro por aqui para não revelar a surpresa para quem ainda não leu esse
conto magistral.
Pois a Lygia nos brindou
com outras obras de ouro 18 quilates. Contos como “A caçada”, “Natal na barca”,
“O menino”, “Antes do baile verde”, “As formigas”, “O seminário dos ratos”, “Verde
lagarto amarelo” e tantos outros preencheram boa parte das minhas horas de
adolescente com seus enredos tensos, amargos, às vezes de cunho fantástico e
misterioso. Alguns contos que escrevi devem muito à Lygia, apesar de não
constar nada dela nas epígrafes do meu Arranhões
e outras feridas.
Dos seus romances,
nenhum me agradou muito. Mas é inegável a importância de As meninas. É a única obra da autora com um teor político muito
forte.
Hoje, portanto, é um
dia verde, cor presente em várias passagens de suas histórias, como se pode
perceber em alguns contos citados. Se pudesse, desejaria a ela um feliz
aniversário. Como não é possível, tiro da estante um de seus livros, e entro no
seu universo. É a melhor homenagem que um escritor pode receber.
Comentários
Sobre a Lygia, recordo-me que li "Venha ver o pôr do sol" há muito tempo atrás. Estava na sétima série. A professora de literatura pediu. Como é comum na adolescência, li o conto, mas fi-lo por dever, sem dar o devido crédito que o texto merece. Preciso revisitar os contos dela. Inclusive o livro que a professora pediu se chamava "Venha ver o pôr do sol e outros contos".
Dela, hoje, em minha biblioteca, tenho apenas "As meninas". Obrigado por me ter feito lembrar a importância da Lygia Fagundes.