Poética, Ana Cristina César
Ana C:
e limpa à minha espera:
mudo convite
e limpa à minha espera:
mudo convite
e limpa à minha espera:
Os versos de Ana Cristina César, ou simplesmente Ana C., podem
ser lidos no volume Poética, (Companhia das Letras, 504 páginas), contendo quatro
livros publicados em vida pela autora e mais alguns póstumos. Escrito quando
tinha apenas 17 anos, o poema para no vazio depois dos dois pontos. O convite,
mudo, foi atendido em parte. Enquanto viveu, escreveu. Viu, porém, uma nuvem
branca e limpa à sua espera e aceitou outro convite. Desceu do salto. O salto
para o vazio.
Outro poema seu diz:
Quando
entre nós só havia
uma
carta certa
a
correspondência
completa
o
trem os trilhos
a
janela aberta
uma
certa paisagem
sem
pedras ou
sobressaltos
meu
salto alto
em
equilíbrio
o
copo d’água
a
espera do café
O verso ou a vida? A palavra ou o silêncio? A poesia ou o
suicídio?
Escrever é dar o salto sem saber onde se vai cair. Escrever
é uma tentativa de suicídio. Ana C. preferiu o suicídio não metafórico, assim
como outras escritoras. Virgínia Woolf viu o mar imenso à sua espera, preencheu
o vazio dos bolsos do seu casaco com pedras e aceitou o convite. Alejandra Pizarnik
deixou vazio um vidro de barbitúricos. Sylvia Plath abriu o forno vazio e o preencheu com gás. Elas nos
deixaram vazios. Elas nos completaram com suas obras. E ficaram vazias.
Tenho uma tela branca e limpa à minha espera. O cursor faz
um mudo convite. Devo preencher não somente o vazio da tela, mas também outro
vazio:
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