Traçando Livros de hoje sobre Mario Levrero
Conhece o Mario?
“− O romance é bom –
disse o Gordo, e fez uma pausa significativa. – Mas...”
Assim é o início da
“novelinha” Deixa comigo (Editora Rocco, tradução de Joca Reiners Terron,
157 páginas), do uruguaio Mario Levrero, publicada em 1996. O narrador é um escritor
que encontra dificuldades para publicar seu novo romance, além de ter recentemente
se separado da esposa. Nos últimos anos, seus livros foram sistematicamente
recusados pelo editor, que até gostava do que lia, dava tapinhas nas costas,
mas... Sempre o “mas”. Frustração por saber que sua literatura não tinha mais
espaço porque não vendia, apesar de boa. E não, não se venderia à indústria
editorial tão facilmente. “Sempre considerei preferível quebrar pedras, com uma
bola de ferro pesada presa ao tornozelo por uma corrente grossa, a matar o
livre ato criativo pensado em público.”
Ao levar seu livro
para o editor e ser recusado, recebeu uma proposta: localizar, na pequena
cidade de Penurias, um tal de Juan Pérez, cujo manuscrito, considerado genial e
sem um “mas”, não trazia nenhum endereço ou contato do autor. Se tivesse
sucesso em encontrá-lo, receberia um dinheiro e ainda veria o próprio romance
publicado. Titubeou. Porém, pensando na sua situação financeira, aceitou a
empreitada.
Chegando à cidade,
depois de admirar uma bela garota no ônibus, percebeu que achar Juan Pérez não
seria tarefa fácil. Seria uma mulher, devido à bela letra do manuscrito, ou
realmente um homem, por causa da “dureza” da história? Na sua busca, acabou
encontrando uma mulher, Juana Pérez, prostituta com quem acabou gastando quase
todo o adiantamento recebido pelo trabalho indo para a cama com ela todos os
dias. Ela, no entanto, não parecia ser o escritor procurado. A investigação
prosseguiu sem muito sucesso, tendo em vista a pobreza cultural do lugar.
Somente uma pessoa destoava de todos: um fotógrafo com sotaque europeu, que
protagoniza uma das passagens mais importantes do romance, ao refletir sobre as
pequenas coisas da paisagem que buscava retratar: “Teia de aranha. A vida
também pode ser teia de aranha, sabia? Curioso como se assemelha aos desenhos
de certas mandalas. Espaço mítico. Homem também cria espaços míticos, por que
não aranha? Cidades, por exemplo. (...) cidade física prende, homem fica como
inseto em teia de aranha.”
Nascido em
Montevidéu, em 1940, Mario Levrero escreveu romances notáveis como La novela luminosa, e contos na linha do
absurdo e do fantástico, reunidos em volume como Espacios libres ou La máquina
de pensar en Gladys. Morreu em 2004. Deixa
comigo, cujo título original é Dejen
todo em mis manos, é a primeira tradução de um romance do autor. Faz parte
de uma coleção da editora Rocco, denominada Otra
língua, que reúne escritores hispano-americanos desconhecidos da maioria
dos leitores brasileiros, entre eles o argentino Fabian Casas, com o livro de
contos Os Lemmings e outros, e o
salvadorenho Horacio Castellano Moya, autor de Asco. Literatura da melhor qualidade ignorada por estas bandas.
Aliás, toda literatura de qualidade é desprezada por aqui.
Cassionei Niches
Petry é professor, mestre em Letras e escritor. Publicou Arranhões e outras feridas (Editora Multifoco) e
recentemente, em e-book, seu primeiro romance, Os óculos de Paula (edição Kindle/Amazon). Escreve regularmente para
o Mix e mantém um blog, cassionei.blogspot.com.
Comentários