Diário crônico V – Eram os deuses teóricos?
(O Diário crônico de hoje foi publicado também no jornal Zero Hora: http://wp.clicrbs.com.br/opiniaozh/2014/04/23/artigo-eram-os-deuses-teoricos/)
A
degradação pela qual passa a educação provoca uma necessidade de mudanças que,
por sinal, já vem acontecendo há muito tempo. Percebe-se, no entanto, uma
morosidade desse processo, contribuindo ainda mais para o declínio. É, porém, a
forma dessa mudança, alicerçada em pensadores já defasados (e “endeusados”), o
fator decisivo para o nosso fracasso.
Há
mais de 15 anos estou envolvido com educação, tanto como estudante de Letras e
depois como professor. Acompanho as propostas de inovações _ cuja elaboração consta
na LDB e nos parâmetros e diretrizes curriculares nacionais _ há outros tantos
anos. Em todo esse período, muitas gerações passaram pelas salas de aula,
muitos professores começaram a lecionar e outros se aposentaram.
Paulatinamente, sempre pensando “a longo prazo”, projetos são desenvolvidos sem
muitos resultados. Entretanto, cada vez a “clientela” vai mudando. O professor
é convidado a se adaptar a esse tipo de novo aluno, mas nunca se discute a
necessidade de o aluno também se adaptar à didática do professor.
Nas
bibliografias dos concursos para o magistério, em bibliotecas, em quadros nas
paredes da escola e na mente de vários professores, há uma figura onipresente e
onipotente, que não pode ser contestada, caso contrário, quem o faz, é
duramente criticado, como aconteceu com um colega meu que ousou manchar o nome
sagrado. Esse deus é Paulo Freire. O educador brasileiro propôs que o aluno
fosse o sujeito da aprendizagem e não apenas receptor dos conhecimentos
acumulados pelo professor. Suas ideias foram durante anos influenciando a
didática em sala de aula. Frases feitas, de resultados miraculosos, às vezes
deturpando o pensamento dele, tornaram-se receitas para o sucesso pedagógico: o
fim da educação bancária e como forma de opressão social, o conhecimento que
faça sentido para a vida do estudante etc. O resultado dessa pedagogia,
implantada aos poucos nas escolas nas últimas décadas, pôs o aluno como
protagonista, mas, por outro lado, delegou ao professor a função de coadjuvante
ou até de vilão, responsável pelo educando não atingir os objetivos, quando
ensina o que o educando não quer ou não considera importante aprender, tornando
a aula chata, sem atrativos e afastando o estudante da sala de aula.
É
preciso discutir se devemos basear nossa didática em pensadores que já estão
ultrapassados. Falou-se durante muito tempo que temos um aluno do século 21 e
que estamos empregando ideias do século 19. Ora, a maioria dos teóricos que
estudamos é do século 20! Nossa realidade é diferente. O que faz sentido para o
aluno de hoje não é a construção do conhecimento, e sim a informação
superficial, o que é bem diferente. Por isso, é necessário debater o
protagonismo dado a ele. Se a aula se tornar maçante, não importa. O mundo fora
da sala de aula também o é. As obrigações são chatas, cumprir horário é chato,
realizar tarefas é chato. Por que o espaço escolar precisa ser diferente?
A escola deve mudar, entretanto o faz de forma
errada. Qual a certa? Não sei, deve haver uma ou várias. Minha função não é
apontar soluções, até porque não as tenho. Meu papel é questionar. Sei que o
tradicional não funciona, mas as inovações também não estão funcionando. Seriam
os teóricos do século passado os salvadores?
Comentários
Percebo q a responsabilização do professor, q aparece no discurso oficial como apelo à "proatividade" ( entendido frequentemente como uso eficaz da autoridade mais tradicional possível, dos métodos mais tradicionais) se liga a não problematização do contexto social da escola, da sua estrutura como um todo e da própria organização social falha como causa do fracasso escolar. Uma recusa q é devidamente calculada, divide os profissionais dentro da escola em campos rivais e impede as comunidades de realizarem qualquer ação efetiva.