Meu texto sobre livro do Gessinger na Gazeta de hoje
Pra ser sincero: o que faço com esses números?
Humberto
Gessinger parece gostar muito do número 3 ou deve ser o próprio número
que o persegue. Penso nisso para tentar entender o porquê do subtítulo
do seu livro lançado no final do ano passado: Pra ser sincero: 123 variações sobre um mesmo tema (Editora
Belas Letras, 304 p.). Segundo o autor, é “o som de baquetas contando o
início da canção: 1... 2... 3...”, além de ele ter “encasquetado com o
número”, utilizando-o em todo o livro. Mas se pensarmos sobre as
curiosidades sobre o 3 na trajetória do líder dos Engenheiros do Hawaii,
podemos entender melhor a escolha.
O NÚMERO
Em
primeiro lugar, HG nasceu em 1963. A banda teve em sua formação
original 3 membros: Gessinger, Carlos Maltz e Marcelo Pitz. O primeiro
show foi num dia 11/ 1 (somando, dá o número 3). Já no primeiro LP, o
número aparece nos versos da música “Longe demais das capitais”, que dá
nome ao disco: “O 3º sexo, a 3ª guerra, o 3º mundo”. Mais adiante,
Augusto Licks entra no lugar de Pitz, completando aquela que seria a
formação mais importante da banda. No segundo LP, o número está presente
nos versos de “Revolta dos Dândis II”: Esquerda e direita, direitos e
deveres,/ os 3 patetas, os 3 poderes”. Inspirados em outro “power trio”,
os canadenses do Rush, os Engenheiros estabeleceram que depois de 3
discos, iriam gravar sempre um outro ao vivo, plano que eles cumpriram
até o final dos anos 90. Também criaram várias trilogias de seus discos,
uma delas é a trilogia da bandeira tricolor do Rio Grande do Sul,
formada pelos álbuns “A revolta...”, “Ouça o que eu digo...” e “Várias
Variáveis”, cada um com uma das cores da bandeira gaúcha na capa. Quando
resolveu realizar um trabalho solo, HG juntou mais dois músicos e
formou o Humberto Gessinger Trio. Poderíamos citar mais músicas ainda
(“3ª do plural”, “3X4”, “3 minutos”, etc.) e outras referências (até o
ilustrador de uma das capas dos CD’s se chama Trimano), mas volto ao
livro, que é o que interessa comentar.
O LIVRO
Humberto
Gessinger é um baita escritor, só para usar a expressão aqui do RS,
lugar tão importante para ele, como se percebe pelas referências nos
discos e até na capa do seu livro. Suas letras são poesias do mais alto
gabarito, repletas de citações literárias e filosóficas, mostrando ser
um artista que não se limita ao mundo da música, que tem uma bagagem
cultural grande e uma leitura diversificada e de qualidade. Talvez por
isso eu fechei o livro com uma sensação de que faltava algo.
O
livro é divido, claro, em 3 partes. Na primeira, há uma autobiografia
do cantor. Com uma linguagem poética, cheia de frases gessingerianas
(calcadas em paradoxos, pleonasmos, ambiguidades e citações), ele conta
fatos de sua vida e, principalmente, da trajetória dos Engenheiros (e
também do Pouca Vogal, seu projeto mais recente), curiosidades das
gravações e fotos de cada época. Aliás, o projeto gráfico é o que mais
chama a atenção no livro, trazendo as reproduções das capas e
contracapas de todos os álbuns, além das ilustrações de Andrews &
Bola, já conhecidas pelos fãs na internet, representando as mudanças no
visual de Humberto Gessinger.
Essas
ilustrações estão na segunda parte, aquela sobre a qual tive mais
expectativas. A divulgação anunciava que seriam 123 letras de músicas
comentadas. No entanto, só algumas das letras estão acompanhadas por
pequenos textos que não retomam as discussões que já circulam há anos
pelos fóruns da web. Quais as fontes das citações, as influências para a
criação das letras? O que ele queria dizer com tal palavra? Quem era
Ana? O que é trottoir? Não acho que o artista deva revelar o que quis
dizer. Isso é função do apreciador da obra. Mas a propaganda do livro
criou essa expectativa, de registrar em livro as referências das letras.
No fim, ficou mais como uma antologia pessoal do compositor.
Para
fechar o livro, a terceira parte traz um ensaio de Luís Augusto Fisher,
professor de Literatura da Ufrgs. Intitulada “Pra entender”, em alusão a
uma música dos Engenheiros, destaca o papel da banda na vida cultural
do país. Apesar de ser professor de uma universidade, seu texto é leve e
não destoa do resto. Tudo a ver com as contradições gessingerianas: um
texto não acadêmico de um acadêmico.
Ouça
o que eu digo, não ouça ninguém: o livro é peça indispensável na
prateleira de qualquer fã dos Engenheiros do Hawaii, apesar dos pesares.
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