A falta


Palavras. Moacyr Scliar as tinha de sobra. A mim, nesse momento, elas faltam. Mas preciso escrever.

Poderia analisar a obra do escritor. Dezenas de livros, crônicas em jornais e revistas, uma produção grande em quantidade e qualidade, a qual li quase toda. Sua obra, porém, vai ficar entre nós, e ainda será lida por muito tempo.

Poderia falar sobre o médico. Trabalhou na saúde pública, escreveu vários artigos e livros sobre a área. No entanto, não tenho o conhecimento para avaliar a importância dele nessa profissão.

Poderia comentar o Scliar judeu. Foi um grande divulgador da cultura judaica no RS, tanto na temática da sua ficção, como nos ensaios e entrevistas, mesmo não tendo crença religiosa. Mas também não sou capacitado para isso.

Poderia relembrar as histórias contadas por ele em diversas palestras, como a do seu pai que, ao chegar ao Brasil vindo da Rússia, comeu a casca de uma banana e jogou fora o resto pensando que fosse o caroço. Entretanto, quem está lendo este texto já deve conhecê-las.

Poderia falar sobre o imortal. Dono da cadeira 31 da Academia Brasileira de Letras, sua eleição foi amplamente apoiada pelos gaúchos numa mobilização inédita. Desconheço, porém, como foi sua atividade entre os acadêmicos.

Gostaria de escrever, na verdade, sobre o mestre. Assim como eu, muitos aspirantes a escritor encontraram em Moacyr Scliar um raro interlocutor. Não deixava um e-mail sem ser respondido. Lia e elogiava as produções daqueles que viam nele um exemplo a ser seguido. Citava em uma de suas colunas no jornal Zero Hora as pessoas com as quais ele trocava mensagens. Dedicava “ao colega” os autógrafos dos seus livros para quem se anunciava como aprendiz de escritor.

Quando mantive contato com o Scliar para que lesse meu livro de contos, ele disse que não poderia, mas que se eu mandasse dois contos os leria com prazer. Mandei o e-mail, porém me esqueci de anexar os textos. Poucos minutos depois, a seguinte mensagem: “e os contos?” Vejam que ser humano! Poderia muito bem deixar por isso mesmo, mas não, fez questão de não deixar o pobre aprendiz na ilusão.

“Sentimos falta de coisas”, escreveu Scliar na crônica “Lacunas”, do livro A massagista japonesa. Sentiremos falta do escritor, do médico, do judeu, do contador de histórias, do imortal. A falta do mestre atencioso, porém, é a lacuna mais difícil de ser preenchida.

Comentários

Mirella disse…
Lamentável. Grande perda.
E minha mãe já veio dizendo que todos que sentam na cadeira do Jorge Amado, morreram. Quem é o próximo? Como não ligo para essas coisas, não confirmei esses dados de cadeiras, mas lá vai...
Cassionei Petry disse…
A cadeira do Jorge Amado era a 23, não a 31.
Gelso Job disse…
Perdemos alguém de uma generosidade rara e que sabia como ninguém incentivar novos talentos.
Cassionei Petry disse…
Pois é. Obrigado pelo comentário, Gelso.
De fato faltam palavras. Grande perda literária. ainda teria muito a produzir.
Roberto Belli disse…
Lamento nunca ter escrito para Moacyr Scliar. Mas minha sensação é de que ele escrevia para mim. Os textos de ficção infantojuvenil têm tanta força e sensibilidade quanto os da literatura adulta. Sabia navegar entre as sutis diferenças das palavras para faixas etárias. Sensibilidade de um grande escritor que vai permanecer entre nós ensinando-nos.
Cassionei Petry disse…
Obrigado, Paula e Roberto, pelos comentários.
Iuri disse…
Confesso que Scliar nunca foi um dos meus escritores prediletos. Li poucos romances completos dele e estou me propondo a ler obras deixadas pra trás (O O exército de um homem só, por exemplo). Mas o lia bastante pelas crônicas, principalmente as publicadas em todos os cantos de ZH. Mesmo as crônicas de jornal, preferia a de outros caras, embora admirando suas informações e raciocínios. Às vezes o achava por demais "em cima do muro", zeloso em "não ferir suscetibilidades". Mas não tenho dúvida que é uma perda de um baita intelectual brasileiro e gente boa, como pude comprovar "ao vivo" nas vezes que o assisti palestrando em eventos.
Anónimo disse…
Grande perda.Scliar é um dos meus escritores prediletos,tenho 16 anos e só de ter lido alguns contos e um livro juvenil apaixonei-me pela forma que escrevia,tão simples e tão encantadora.

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