Concurso literário
cena do filme Howl
Já na derrota do
primeiro concurso, pensou em desistir. Não por se considerar um escritor
medíocre, bem pelo contrário. Achava, ou melhor, tinha certeza de que o
concurso não estava a sua altura. Continuou, porém, e novas derrotas se
sucediam. Quando tinha acesso à leitura dos contos premiados, muito ruins na
sua opinião, ficava com a sensação de que tudo não passava de panelinha, jogo
de cartas marcadas ou qualquer outro lugar-comum que qualificasse os eventos. E
os pseudônimos não serviam justamente para evitar tudo isso? Ah, vai saber se
os jurados não conheciam antes o conto que iriam analisar. Como morava no
interior do estado, não tinha acesso à vida literária, não conhecia ninguém do
meio e que pudesse ler seu conto. Sua arte era realmente solitária.
Para ele, no seu
quarto, sentado na escrivaninha e rodeado por centenas de livros, o ritmo da
máquina sendo espancada era uma metáfora de uma fábrica onde era construída uma
obra-prima. Uma não, várias. Mal sabia a humanidade o que estava sendo gestado
ali. Mal sabiam os jurados dos concursos que passavam por suas mãos, sem lerem
com atenção por não terem tempo, contos que colocariam o Brasil no mapa das
publicações mundiais e até daria o primeiro Nobel de Literatura para um
brasileiro.
Agora seria o último.
Apostou todas as fichas em um conto, que fora reescrito muitas vezes em busca
da perfeição. A história, narrando o cotidiano de um casal já idoso abalado
pela chegada de uma nova empregada, fora intitulada “A última tentativa”. No
caso do enredo, a última tentativa era a do velho ao dar em cima daquela que
tinha como função limpar a casa, mas que acabou trazendo mais sujeira ao
aceitar as investidas do patrão. Para o escritor, a última tentativa de ser
premiado.
Dentro do prazo limite,
com o original dentro de uma pasta, dirigiu-se primeiro ao xerox mais próximo e
tirou cinco cópias do conto. Depois foi à papelaria e comprou um envelope, grande e
pardo, e outro pequeno da mesma cor. No primeiro, colocou as cópias e, no
segundo, os seus dados pessoais. Dirigiu-se à agência de correios, escreveu o
endereço do concurso no envelope grande, junto com seu pseudônimo. Colou com
goma arábica os envelopes (um dos últimos lugares do mundo que possuem esse tipo de cola). Retirou
a senha e esperou ser atendido. Pagou a taxa referente à entrega rápida, deixou
com a atendente o material e saiu esperançoso.
Aguardando o resultado,
quase não escreveu. Leu muito, como sempre, e também ficava imaginando o que
fazer com o prêmio. Havia alguma coisa lá dentro dele que dizia “dessa vez
vai”. Via seu nome estampado no jornal da cidade, quem sabe uma foto dele
rodeado por livros. Seria uma celebridade na sua terra, na região, no estado, no país.
Logo, logo, seu primeiro livro o colocaria como um dos grandes nomes da
literatura, ou melhor, como o grande escritor nacional.
Até que, no tão esperado
dia, recebeu um e-mail da organização do concurso. Seu conto ficara em 1º
lugar. Imaginava o futuro promissor, a glória literária, as traduções, novos
prêmios, a Academia. Logo deu a notícia ao editor do caderno de variedades do
jornal local. Avisou as poucas pessoas com as quais mantinha contato. Ao mundo,
o tempo e vento se encarregariam de espalhar a boa nova.
Na premiação, poucas
pessoas. Recebeu o dinheiro, tirou fotos, foi cumprimentado. O maior jornal do
estado, porém, não noticiou. O jornal local deu uma pequena nota, com uma foto
antiga dele junto com outros escritores da cidade.
O tempo e o vento o
traíram. Sua obra não se tornou conhecida. Tinha que escolher entre cem anos de
solidão ou uma viagem ao fim da noite. Decidiu pela viagem sem volta.
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