Literatura não pode prescindir da emoção



O artigo “Um novo papel para os profissionais das Letras”, de Elias J. Torres Feijó, publicado na edição do dia 21 de julho de 2012 do jornal Zero Hora, no caderno Cultura, expôs uma concepção de mercado, burocrática e utilitarista da qual não estamos precisando nas aulas de literatura. 

O começo do texto reivindica uma visão cultural mais ampla para obtermos conhecimento, sendo a literatura parte desse contexto. Até aí, de acordo. É uma das disciplinas que mais consegue se adaptar à interdisciplinaridade que tanto se deseja na educação. Um poema, por exemplo, pode trazer temas como morte, religiosidade, corpo, números, fenômenos da natureza, desigualdade social, mitologia e tantos outros assuntos abordados pela Filosofia, pelo Ensino Religioso, pela Educação Física, pela Biologia, pela Matemática, pela Química, pela Sociologia, pela História e etc. Para uma boa apreciação de um texto literário, é necessário um amplo saber, sendo que esse mesmo texto acaba sendo a fonte de conhecimento, igualmente acionado para a compreensão de outro texto ad infinitum. 

Para produzir conhecimento, entretanto, o autor, professor da Universidade de Santiago de Compostela, condena o que é essencial em um texto artístico: a emoção. Para ele, emoções “como o gosto ou a qualidade são produções de valor normalmente dependentes de quem tem mais poder para impor os seus gostos ou os seus particulares critérios de qualidade”. Cita como exemplo John Keaton, personagem do filme Sociedade dos poetas mortos, que seria o representante de um tipo de professor que manipula os estudantes. Afirmação totalmente equivocada, pois o protagonista fazia justamente o contrário: provocava a mudança do paradigma em que os alunos obedeciam cegamente o que ditavam pais e professores, que lhes conduziam a um caminho já previamente estipulado.

Feijó passa, por conseguinte, a propor uma visão mais útil para o ensino das Letras: “dar aos estudantes instrumentos de análise e interpretação dos fenômenos literários e dos fenômenos mais alargadamente culturais”. Mais uma vez concordo com o articulista, porém questiono o porquê de se excluir a emoção. Outras expressões defendidas pelo professor advêm de uma visão mercadológica, como aplicabilidade, empreendedorismo, resultados. Paradoxalmente, afirma: “Defendo isso precisamente para não sermos subservientes ao mercado.” Essa abordagem, não obstante, mata a literatura como forma artística, transformando-a em mais uma peça do sistema econômico que, mecanicamente, produz uma falsa arte em série para satisfazer o mercado.

Ao criticar o profissional de Letras que, assim como o personagem Keaton, desburocratiza a literatura, o articulista quer derrubar as tentativas que os professores fazem para inocular a paixão pelas artes nos estudantes que vivem cercados por produtos midiáticos, este sim sem utilidade nenhuma. Literatura sem emoção não é literatura.

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