Diário crônico I – Sexta-feira-dita-santa
Engraçado eu começar
essa série de crônicas diárias com um texto sobre religião, mas é inevitável
devido ao dia de hoje, sexta-feira-dita-santa.
Sou ateu, mas já fui religioso quando criança, daqueles que não perdem
missa nos domingos e, às vezes, vão até nos sábados. Na semana santa, então,
participava de todas as atividades. Logicamente, portanto, tinha um respeito
enorme pelo dia de hoje e cumpria à risca as proibições estipuladas, sendo que
a mais dolorosa era não poder ouvir música ou assistir à TV.
Na adolescência,
comecei a fazer coisas que não deveria no dia santo, insensível ao sofrimento
de Jesus na cruz. Na virada de quinta para sexta, por exemplo, ia acampar com meus
amigos para colher macelas pela manhã cedinho. Durante a madrugada, bebíamos e
assávamos um churrasco apetitoso. Às vezes, dormíamos cansados, acordávamos um
pouco tarde e já não conseguíamos achar mais nada da tal de macela. Chegávamos em
casa sem nada ou então comprávamos de algum vendedor ambulante. Bem, nesse caso
já estava ficando na idade adulta, mas o que eu quero relatar aconteceu quando
ainda era mais jovem.
Numa tarde de
sexta-feira santa, resolvemos, os amigos da vizinhança, jogar bola na rua.
Minha bisavó me alertava para não sair de casa, era um dia para se ficar triste
e não brincar. Fui assim mesmo, mas com sentimento de culpa. Não podia, porém,
fazer papel de medroso frente aos amigos.
Depois da primeira
rodada, sentamos para descansar e eu fiquei olhando para o céu. Era um dia com
muitas nuvens. Já estava anoitecendo quando olhei para uma delas, cujo formato,
para mim, era a do rosto de Jesus Cristo morto. Via perfeitamente, de perfil, o
formato dos olhos, nariz, boca, barba (o rosto era idêntico aos quadros do
chamado “Filho de Deus” que havia lá em casa). Como se não bastasse, uma coroa
de espinhos aparecia na sua testa.
Vi aquilo como um sinal.
Imediatamente me ajoelhei e juntei as mãos para iniciar uma oração e pedir
perdão por ter jogado futebol numa data imprópria. Alertei meus amigos para que
vissem a imagem no céu, porém não enxergaram nada e disseram que estava vendo
coisas. Logo a imagem se dissipou e fomos embora, eu com aquela visão, para mim
tão nítida e impressionante, ainda marcada na minha mente.
Hoje sei que o que aconteceu
foi um fenômeno denominado pareidolia e até já observei muitas outras imagens
nas nuvens, inclusive a de Buda na sua versão Leandro Hassum. Nem por isso me
converti. Hoje a data não me diz mais nada e por isso comi uma boa carne, além
de ouvir um bom e velho rock’n’roll. Até agora não me aconteceu n...
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