Diário crônico III – 1985
Quando
vou a uma biblioteca, gosto de vasculhar as prateleiras. Dificilmente vou ao
terminal de consulta. Por isso, acabo descobrindo livros que não imaginava que
existissem. Mergulho naqueles rios de lombadas e, muitas vezes, saio com
volumes cuja leitura não estava nos meus planos.
Tal
qual um escafandrista, encontrei certa vez uma pérola dentro de uma concha,
entre pedras e algas que escondiam a preciosidade. Tratava-se do romance 1985,
do britânico Anthony Burgess, edição da L&PM. A capa continha o numeral que
dá título à obra, encimando outra cifra, 1984, numa referência óbvia ao
clássico de George Orwell.
Na
primeira parte, o autor de Laranja
mecânica analisa o romance de Orwell através de artigos e entrevistas
imaginárias. Na segunda parte, escreve a novela que dá título ao livro,
imaginando uma sociedade distinta da sociedade controlada pelo Big Brother.
Em
uma das análises, Burgess propõe que esse tipo de obra não poderia ser chamado
de distopia, como acontece frequentemente com relação a obras como Admirável
mundo novo, de Aldous Huxley, ou a própria Laranja Mecânica. Para
ele, o mais correto seria chamar cacotopia, do grego kakos (mau) e topos
(lugar).
Na
novela 1985, escrita em 1978, o protagonista é Bev Jones, que vê sua
mulher morrer em um incêndio em um hospital, pois os bombeiros, em greve, se
recusaram a apagar as chamas. Acaba ficando sozinho com sua filha, Bessie, uma
garota de 13 anos, autista, que fica o dia inteiro assistindo à televisão. No
país onde vive, provavelmente a Inglaterra, há uma espécie de ditadura dos
sindicatos. Ou seja, as centrais sindicais exercem um controle sobre a
sociedade, exigindo que todos fossem associados a elas. Quem não acata essa
decisão, não poder exercer nenhum trabalho e precisa passar uma temporada em centros
de recuperação. Há também em curso um processo de islamização em massa do país,
com a construção de mesquitas e a presença de árabes ricos.
O
livro, infelizmente, está esgotado e pode ser encontrado apenas em sebos e
também, claro, em boas bibliotecas.
Comentários
Belo texto!