Minha coluna de hoje no jornal sobre romance de Marcelo Backes
Fechado para reformas
Cassionei
Niches Petry
Nós, seres humanos,
estamos sempre em reforma, seja no lado de fora, seja no lado de dentro.
Mudamos de roupa, peso, cabelo, fazemos a barba ou a deixamos crescer. Revemos
ideologias, crenças, comportamentos, desejos. Também nossa casa material passa
por reformas constantes no seu exterior e interior. É sobre isso, ou mais menos
isso, de que trata o recente romance de Marcelo
Backes, A casa cai (Companhia das Letras 425 páginas).
O narrador da
história é o mesmo do livro anterior do autor, O último minuto. É um seminarista que, ao participar de uma
pastoral carcerária, ouve o depoimento de um preso, ex-técnico de futebol,
sobre sua vida e o crime que cometera. Agora o “quase padre” é o protagonista.
Ao deixar o seminário após a morte do pai, herda dele vários imóveis em bairros
nobres do Rio de Janeiro e descobre, lendo documentos de um cofre, que o pai,
para criar seu “império”, se envolvera em falcatruas, como incêndios provocados
para espantar a população pobre de favelas horizontais nos anos 1960, dando
lugar a edifícios de luxo, formando, assim, a famosa Selva de Pedra. A
especulação imobiliária que formatou o que é hoje o Rio de Janeiro aparece na
sua mais crua realidade.
O enredo, porém,
também trata de amor e de relacionamentos mais quentes. O protagonista herda,
digamos assim, a namorada do seu pai, Lívia, mulher mais velha do que ele, com
quem executa a reforma de um dos imóveis para ambos morarem. Nas semanas que
duram a reforma, o narrador sente atração pela síndica do prédio (também com
mais idade do que ele) e depois tem um caso com Camila, amiga de Lívia. Além
disso, ao fazer uma viagem para a Rússia, transa com uma guia de turismo. Vida
amorosa bem agitada para quem recém-largou a batina, não concordam?
Perpassa em todo o
romance o fantasma do pai, mais kafkiano do que hamletiano. Backes é tradutor
de Kafka e escreveu ensaios importantes sobre, entre outros livros, a Carta ao pai. O narrador, cujo nome
ficamos sabendo somente no final da história, conhece aos poucos o pai de quem
era distante e percebe que ele, um “deus criando seu mundo patrimonial em
apenas sete década”, também regia, como o progenitor de Kafka, o mundo de sua
poltrona. Ao reformar a casa que o patriarca lhe deixou, o protagonista revela,
de certa forma, a tentativa de afastar o espectro do pai.
Ao “descortinar um
passado que nem sequer busquei e que me agarrava sem nem mesmo bater à porta”,
o narrador tenta se reconstruir, sempre com o medo de que, em algum momento, a
sua casa venha a cair, gíria que significa que tudo vai dar errado, tudo vai
desmoronar. Se isso vai acontecer? Feche-se em sua casa, caro leitor, coloque
uma placa com a inscrição “em obras” na porta, mergulhe na leitura do livro e
descubra.
Cassionei Niches
Petry é escritor. Autor de Arranhões
e outras feridas (Editora Multifoco) e Os óculos de Paula (Editora Autoral). Escreve regularmente para o
Mix e mantém um blog, cassionei.blogspot.com.
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