O escritor vende seu corpo
Poderia estar
matando, poderia estar roubando, poderia estar me prostituindo e é justamente
isso tudo que faço e mais um pouco quando escrevo. O escritor mata personagens,
rouba o tempo de quem lê ou de quem gostaria que o lesse. Vende seu produto
pelo preço mais baixo possível e, às vezes, o oferece até de graça. Mesmo assim
muitos não o querem. O escritor é uma puta feia e acabada, portanto. Seu
produto não é cobiçado, não é desejado, mas mesmo assim o escritor tenta
expô-lo, deixa-se usar por cafetões que o exploram, frequenta lugares onde
talvez encontre alguém que o deseja.
Há aqueles que
colocam seu produto em puteiros sofisticados, onde inclusive se encontra bebidas
como o café para vender. O leitor até apalpa o produto, abre suas pernas,
cheira, mas toma só o nobre líquido negro porque não tem mais dinheiro para
gastar.
Há aqueles
escritores que colocam seu produto à venda em sites pornográficos, mas ele fica
apenas lá, exposto em fotos com poses de gosto duvidoso e o leitor apenas olha,
talvez o deseje. Não passa, no entanto, do voyeurismo. Há até aqueles que já
provaram do produto e o elogiam nos comentários. Outros cospem no prato em que
comeram e desaconselham sua compra.
Há escritores que expõe
o que escreve na rua, nas esquinas, nas saídas dos bares. Atacam possíveis
leitores abrindo as pernas do seu produto para que o passante veja o que há
dentro. O provável leitor até pergunta pelo preço, pega na mão, o acaricia, porém
acaba não comprando. O escritor faz um preço mais camarada, entretanto o já não
mais provável leitor diz que está com pressa, atrasado para pegar o ônibus,
para o trabalho ou que não é chegado nessas coisas.
Há escritores que
oferecem de graça seu produto na internet em sites onde o leitor pode baixá-lo
e apreciá-lo pela tela do computador. O leitor, porém, não quer apenas um
relacionamento virtual. Gostaria de ter o objeto em capa e miolo na sua estante,
apesar de alegar, com razão, que prefere apreciar outros produtos oferecidos
por cafetões mais famosos.
O escritor, então,
veste sua roupa e vai procurar um emprego que lhe sustente e que lhe
possibilite ficar, nos finais de semana, no escurinho da sua biblioteca,
somente sob a luz de um abajur, dedilhando e acariciando as teclas do seu
computador, numa relação com ele mesmo, uma masturbação literária, um gozo
solitário.
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