A rebeldia de Prometeu
“Ai de mim!”, clamam os personagens (principalmente os
mortais, mas também os deuses) nas tragédias gregas, sabendo que as Moiras,
controladoras do destino, seguiam seu trabalho e era impossível ludibriá-las.
Eram três irmãs que, através de um tear chamado “A roda da fortuna”, tinham o
trabalho de tecer, desenrolar e cortar o “fio da vida”. “Ai de nós!”, clamamos
hoje, frente a um inimigo invisível.
Na tragédia “Prometeu acorrentado”, de Ésquilo, que viveu
entre 525 e 456 a. C., quem sofre com o destino é um deus, mais precisamente um
titã, que é condenado por Zeus a ficar acorrentado a um rochedo pela eternidade:
“Eis os laços de infâmia, imaginados/para prender-me pelo novo rei/dos
Bem-aventurados! Ai de mim!/Os sofrimentos que me esmagam hoje/e os muitos
ainda por vir constrangem-me/a soluçar. Depois das provações/verei brilhar
enfim a liberdade?” (tradução de Mário da Gama Kury). Isso acontece porque
Prometeu roubou o fogo dos deuses, entregando-o aos homens, uma audácia muito
grande, tendo em vista que o fogo representa o conhecimento, a inteligência, o
que seria vedado aos mortais.
O enredo da peça começa com o titã sendo levado por Poder
(Krátos) e Violência, servidores de Zeus, para que Hefesto, justamente o deus
do fogo e responsável por fabricar os artefatos de ferro dos deuses, o
acorrente na rocha na montanha do Cáucaso, junto ao mar. Hefesto o faz com
tristeza, pois amava Prometeu, seu primo, mas não podia desobedecer o deus mais
poderoso. Feito o serviço, o titã está só e começa a lamentar seu destino.
Então aparecem as Oceanides, ninfas do mar, que são o coro da peça, e revelam
os planos de tirania de Zeus. Surge também Oceano, outro titã, pai das
Oceanides, que se solidariza com a situação de Prometeu e o aconselha
arrepender-se.
Em outra cena, aparece a única mortal da peça, Io, com dois
chifres de novilha na testa e a todo momento picada por uma mutuca, pois foi
castigada pela ciumenta Hera, esposa de Zeus, já que o marido desejava a jovem.
Prometeu lhe mostra um caminho a seguir para se livrar de outros perigos, pois
profetiza que um descendente de Io, um herói, o livrará das correntes. De
acordo com versões da mitologia, sabemos que seu libertador será Héracles.
Por fim temos Hermes, o mensageiro dos deuses, que vem a
mando de Zeus saber qual deus o destronará, profecia que Prometeu guarda em
segredo. Como este se recusa a dizer, o mensageiro avisa que uma tortura maior lhe
estaria reservada: “Virá agora o cão alado, a águia fulva/que segue Zeus –
conviva sem ser convidado,/presente o dia inteiro ao tentador banquete –/,e
rasgará teu corpo todo ferozmente/fazendo dele uma enorme posta de carne/e se
fartando na iguaria de teu fígado!”.
A peça de Ésquilo termina com Prometeu e as Oceanides
sumindo “entre relâmpagos, trovões e terremotos”. Sabe-se que havia uma
continuação, “Prometeu libertado”, assim como existia uma primeira peça, “Prometeu
portador do fogo”, formando uma trilogia, porém os textos se perderam, e o que
se sabe vem de outros textos da mitologia.
Esse mito grego, com desdobramentos também no mito de
Pandora, nos faz questionar sobre o que devemos ou não saber, simbolizado no
fogo roubado ou na caixa que não deve ser aberta. O crítico literário Roger
Shattuck, no livro “O conhecimento proibido: de Prometeu à pornografia”, afirma
que “a rebeldia de Prometeu tornou-se nossa salvação em um episódio que parece
refutar o provérbio que ignorância é uma benção”.
Nos dias em que vivemos ou tentamos viver, cercados por um
vírus, é o conhecimento que pode nos salvar. Infelizmente, muitos querem tornar
o esforço de Prometeu em vão.
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