“O crítico é o mordomo do romance policial"


Uma homenagem a Garcia-Roza

“O crítico é o mordomo do romance policial – é o suspeito de sempre”, escreveu Oscar Pilagallo em um editorial da extinta e saudosa revista EntreLivros. Ora, quem é o culpado por considerar o gênero uma subliteratura? O leitor não, claro, pelo sucesso das histórias do detetive. Nas duas pontas, sobra o crítico, afirmava Pilagallo, sem esquecer, no entanto, que um crítico de peso como Otto Maria Carpeaux admirava George Simenon, por exemplo.

Na humilde avaliação desse metido a crítico literário interiorano, as narrativas policiais não são um subgênero. Acontece que a crítica aponta o que é ruim, e boa parte do que se publica de policial é ruim. Os bons são exaltados. Simples. É que os ruins, quando são avaliados pelo que realmente são, põem a culpa em quem os critica. Logo, veem má vontade da crítica. Ledo e ivo engano. Não basta escrever literatura policial, tem que escrever boa literatura.

A propósito, os que criticam os críticos leem os críticos?

A investigação, a figura do detetive, os moldes da literatura policial começaram com Edgar Allan Poe, criador do personagem Auguste Dupin nos contos “Os crimes da Rua Morgue” e “A carta roubada”. Há, porém, quem considere como a primeira narrativa policial a tragédia “Édipo Rei”, de Sófocles, cujo protagonista investiga a morte de Laio, rei de Tebas, do qual ele ocupa o lugar, para que a peste (não queria mencionar isso!) que assola a cidade acabe. Eu vou um pouquinho antes, colocando Telêmaco, na “Odisseia”, de Homero, como o primeiro detetive da literatura, afinal ele não investiga o desaparecimento de seu Pai, Odisseu ou Ulisses, para saber se está morto como todos suspeitavam?

Todo esse preâmbulo, numa resenha que parece se tornar um ensaio, esse gênero literário e filosófico que às vezes também é um peça de investigação, é para escrever sobre um bom escritor policial, respeitado pela crítica: Luiz Alfredo Garcia-Roza, que morreu na última sexta-feira. Sei que ele era bom porque só lia elogios sobre sua obra, mas sempre adiei sua leitura, pois escolhia outros autores, inclusive policiais. Para tentar me redimir, li no sábado, sem intercalar com nenhum outro livro como frequentemente faço, o romance de estreia do autor, “O silêncio da chuva”, de 1996, com várias edições pela Companhia das Letras.

Temos os clássicos personagens do gênero policial: um detetive, o inspetor Espinosa, sedutor como muitos dos seus pares, amante de lindas mulheres e de livros; um parceiro, Welber, não tão brilhante como um Watson; mortes, lógico; suspeitos, porém nada de mordomo, porque aí o clichê seria mais forçado do que o normal, mas sim a esposa e seu amante, sócio, secretária e por aí vai. O lugar-comum do gênero, porém, é quebrado logo nas primeiras páginas do romance. Já ficamos sabendo logo quem matou a vítima, um empresário bem sucedido: foi um suicídio. Somente nós, leitores, sabemos disso, e também um assaltante bem trapalhão, que usa arma de brinquedo e é quem encontra o suicida, toma posse da arma, do bilhete e de uma boa quantia de dinheiro, em dólares. De resto, é Espinosa quem tenta elucidar o caso que, para todos os efeitos, é um assassinado de difícil resolução. O leitor sente-se um privilegiado, em princípio, e segue o protagonista nos seus atropelos. A trama ganha muitas reviravoltas que, em princípio, eu não esperava. Os mistérios mudam depois dos novos acontecimentos, agora também o leitor perde sua condição de onisciente e, lógico, vai até o final para buscar as respostas. Luiz Augusto Garcia-Roza nos enganou com maestria.

O romance também oferece ao leitor algumas doses de reflexão filosófica e pistas psicanalíticas sobre a condição humana, fruto da profissão do autor, psicanalista, um investigador do inconsciente. “O silêncio da chuva” não é apenas um romance de entretenimento, mas pode ser também.

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