A visita de um joão-ninguém ao novo livro de Sérgio Rodrigues
Minha coluna no Jornal Arauto deste fim de semana.
Fruto do acaso, na mitologia grega representado pela deusa
Tyche ou Tique, sendo a Fortuna seu nome romano, estava terminando de ler os
contos de “A visita de João Gilberto aos Novos Baianos”, de Sérgio Rodrigues
(Companhia das Letras, 137 páginas, disponível também em e-book), quando foi
noticiada a morte de Moraes Moreira, que é personagem, junto com seus
companheiros da banda que inovou a MPB, do conto que dá título ao livro. A
Tyche também quis que a obra fosse lançada no ano passado, um pouco antes da
morte de João Gilberto.
Já escrevi sobre outras duas obras de Sérgio Rodrigues (os
textos estão disponíveis no meu blog), que afirmam uma escolha de temas e uma
abordagem histórica peculiar, que se repetem no mais recente livro. No romance
“O drible”, por exemplo, de 2013, o futebol e suas mitologias são a tônica,
utilizando de personagens reais como Pelé. Já “Elza, a garota”, romance de
2008, traz personagens da história do Brasil dos anos 30, envolvidos na eterna
luta ideológica entre direita e esquerda.
No mais recente livro de autor, o conto-título, que abre a
primeira parte, denominada de Lado A, narra ficcionalmente um encontro que
realmente aconteceu e que gerou um dos álbuns mais importantes da história da
nossa música. O narrador é um dos moradores da lendária comunidade hippie onde Os
Novos Baianos viviam e criavam suas músicas no RJ e conta a história no melhor
estilo Luiz Galvão, letrista da banda, em que uma palavra puxa a outra e os
trocadilhos e sonoridades transbordam. Um conto para se ler em voz alta. Quem
sabe até cantando. Vale ressaltar que há um diálogo com o conto magistral de
outro Sérgio, o Sant’Anna: “O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro”.
Em “A fruta por dentro”, Rodrigues traz uma importante
personagem da literatura brasileira, cujo nome é revelado somente no final. Já
em “Vas preposterum” (o título se refere ao ânus, em latim), escritores do
Arcadismo são amigos de um padre literato, que se vê envolvido, sem saber, com a
Inconfidência Mineira. São versos eróticos, no entanto, cuja autoria é
duvidosa, que mexem com o religioso e com a mulher de um dos árcades: “Quando
cubro o dorso teu / Tu por baixo e eu por cima / Como de um cavalo a crina / Agarro,
e troto até Deus”.
Ao que se percebe, a metaliteratura perpassa todos os contos
(levando-se em conta a canção como gênero literário também), sendo explorada de
forma irônica nos contos do Lado B. “Conselho literários fundamentais” brinca
com as regras de escrita que todo o aspirante a escritor busca seguir: “Nunca
aceite conselhos, com exceção deste: nunca aceite conselhos.” O capítulo “Cenas
da vida zooliterária volume 1” é composto por vários minicontos que, de certa
forma, criticam os meios literários, como em “O Clube”, relato sobre um grupo
fechado de escritores que se elogiam mutuamente: “era bem concreta a resenha de
página inteira que, menos de um mês depois, o chamava de gênio e seu último
livro, de obra-prima incontornável, e mais concreta ainda a assinatura de
prestígio vertiginoso a encimá-la”. Para comprovar que não faço parte desse Clube,
digo que não gostei de alguns minicontos que compõe o capítulo “Breve história
de alguma coisa”, como o número 4, “História do mundo em treze tuítes”.
Para fechar o livro, um ótimo conto que parodia os
folhetins, escrito justamente em capítulos para o jornal “Le Monde” em 2014, por
ocasião da Copa do Mundo no Brasil. Trata-se de “Jules Rimet, meu amor”,
trazendo como mote o roubo da taça do tricampeonato conquistada pela Seleção em
1970. Um escritor famoso, mas em decadência, se vê envolvido com uma mulher
misteriosa que guarda um segredo em relação ao troféu.
(Nota do editor: Áudio
vazado na internet. A voz é do autor da resenha: “Espero que este joão-ninguém tenha
agradado ao Clube...”)
Comentários