Uma ninfeta da fronteira



Helena e Lolita são duas personagens que povoam nosso imaginário cultural (mítico e literário). A primeira, uma semideusa, foi a causa da Guerra de Troia e ficou conhecida como a mulher mais bela do mundo. É citada na obra de Homero e nas tragédias gregas. A segunda, uma adolescente, se envolve com uma homem mais velho, seu padrasto, em princípio seduzindo-o, porém ele é o narrador, portanto não dá pra se fiar no que relata. Lolita é protagonista do romance homônimo de Vladimir Nabokov.

Trazendo essas referências para a cidade gaúcha na fronteira com a Argentina e o Uruguai, a escritora Maria da Graça Rodrigues estreou na literatura em 2010, com Helena de Uruguaiana, depois de se aposentar do funcionalismo público. Está completando, portanto, uma década de carreira nas letras. Mais tarde, em 2015, seu livro é reeditado pela lendária Movimento, de Porto Alegre, depois de a autora ter publicado outros dois romances. É esta edição que acabei de ler somente agora. Antes tarde do que nunca, como diz o chavão, pois a obra me surpreendeu positivamente.

Narrado em 1ª pessoa, o enredo nos apresenta, de início, a uma mulher de idade ainda indefinida para o leitor. Ficamos sabendo, no entanto, que irá conhecer suas netas gêmeas recém-nascidas. Enquanto espera o momento de ir ao hospital, relembra sua conturbada vida. Em um vai e vem temporal, provoca o leitor a encaixar as peças, montando o quebra-cabeça que é o amor dela, Helena Maria, pelo seu primo, quinze mais velho, o Leonel. Quando ela tem apenas treze anos, consegue seduzi-lo, provocando um relação escandalosa tanto para a família, por suposto, quanto para a sociedade de Uruguaiana da virada dos anos 60 para os anos 70.

O pano de fundo é a ditadura militar e o conflito entre direita e esquerda, que num primeiro momento parecem não ter relevância, mas que depois acabam sendo importantes para montar o quebra-cabeça, inclusive sendo um pretexto para uma atitude intempestiva da protagonista. Helena, diga-se, pode ser considerada uma anti-heroína. Como Brás Cubas, ela não atenua em nenhum momento seu caráter duvidoso na narração dos acontecimentos. As armas que utiliza para ter Leonel só para si são as mais baixas possíveis, entretanto, acaba gerando uma simpatia no leitor. Torcemos para ela, nos envolvemos com sua paixão, nos indignamos juntos, lamentamos o seu destino e comemoramos quando as coisas se resolvem. Ingênua, às vezes, manipuladora outras tantas, mãe desnaturada em princípio, avó amorosa depois, Helena é uma personagem imprevisível e, por isso, fica ecoando na mente do leitor.

O romance curto, 116 páginas, tem uma síntese perfeita e uma sutileza narrativa que me captou. Não sobra nada, mas talvez falte alguma coisa, uma densidade que, quem sabe, tenha no último romance de Maria da Graça Rodrigues, A primeira pedra, mais encorpado digamos assim, obra que, assim como Helena de Uruguaiana, recebi da autora depois de ela ter assistido a uma palestra que ministrei sobre Mario Vargas Llosa no Festival de Inverno em Porto Alegre. Uma escritora que merece ser lida.   

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