Lygia Fagundes Telles, 97 anos



Dia verde

Hoje é o aniversário da rainha da literatura brasileira, Lygia Fagundes Telles, 97 anos. Um escritora que poderia escrever durante toda a sua carreira um conto apenas, “Venha ver o pôr do sol”. Somente essa pequena grande obra-prima já a colocaria entre meus escritores preferidos. As poucas páginas nos conduzem a um portão de um cemitério abandonado, em cuja frente crianças brincavam de roda. Um homem levava a sua amada – que o havia abandonado para se casar com um homem rico –, a fim de assistirem juntos, pela última vez, ao sol morrer. O barulho das dobradiças do portão enferrujado, o reboco dos muros rachando, o mato rasteiro tomando conta das alamedas, tudo mostrava o abandono, a decadência do lugar.

O homem se mostrava amável, lembrando fatos do relacionamento dos dois, enquanto a mulher, impaciente, demonstrava a todo o momento sua contrariedade por estar naquele lugar e jogava na cara o fato de estar rica. O clímax acontece bem ao fundo do cemitério, num jazigo de uma filha que o homem afirmava ser a sua. Seria ali que a sua amada veria o pôr-do-sol mais lindo de toda a sua vida. Paro por aqui para não revelar a surpresa para quem ainda não leu esse conto magistral.

Pois a Lygia nos brindou com outras obras de ouro 18 quilates. Contos como “A caçada”, “Natal na barca”, “O menino”, “Antes do baile verde”, “As formigas”, “O seminário dos ratos”, “Verde lagarto amarelo” e tantos outros preencheram boa parte das minhas horas de adolescente com seus enredos tensos, amargos, às vezes de cunho fantástico e misterioso. Alguns contos que escrevi devem muito à Lygia.

Dos seus romances, é inegável a importância de “As meninas”. É a única obra da autora com um teor político muito forte.

Hoje, portanto, é um dia verde, cor presente em várias passagens de suas histórias, quase todas, como se pode perceber nos títulos de alguns contos citados. Se pudesse, desejaria a ela um feliz aniversário. Como não é possível, tiro da estante um de seus livros e entro no seu universo. É a melhor homenagem que um escritor pode receber.

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