Diário crítico (7)
13 de novembro de
2020
Não é por ser
sexta-feira 13, mas estou relendo Poe. Tenho algumas edições diferentes dos
contos (da Darkside, por exemplo), então é bom conhecer alguma tradução
distinta (inclusive as feitas pelo Cortázar para o espanhol).
“A carta roubada” é
uma narrativa impressionante, embora mal escrita. Acho que Poe encheu muita
linguiça, mas ainda assim é um bom conto, que nos traz mais uma vez a figura do
detetive Dupin, que sem nenhum esforço consegue solucionar um mistério. Sem revelar
muito para quem pode ter o prazer de ler o relato pela primeira vez, vale dizer
apenas que é no lugar mais fácil que se pode encontrar o que se deseja. Em
outras palavras, ditas pelo próprio Dupin, “a solução pode passar despercebida
por ser evidente demais”. Lacan, no
famoso “Seminário sobre ‘A carta roubada’”, reproduzido no livro “Escritos”, diz
que “descobrimos a pista onde ela nos despista”. O prestidigitador consegue
fazer suas mágicas dessa forma, fazendo-nos prestar atenção em algo para que
não enxerguemos o truque, que muitas vezes está na cara do espectador. Só não
ver quem não quer, ou melhor, quem é despistado.
Pensando aqui
comigo, alguns políticos sabem usar dessa malandragem, fazendo com que seus
eleitores prestem atenção nas coisas, vá lá, boas que ele supostamente faz,
enquanto escamoteia, mas só para esses eleitores, o que realmente está fazendo.
E é aplaudido por isso.
A propósito, a
carta roubada na história de Poe é justamente para um ministro que a roubou
obter vantagens políticas. Por outro lado, a carta é, podemos dizer assim,
roubada pela segunda vez. A qual roubo o título se refere? Quem a “desviou”
realmente?
Outro fator
importante no conto é a figura do narrador, amigo anônimo de Dupin. É por ele
que sabemos das descobertas do detetive, tal qual Dr. Watson, mais adiante, o
faria em relação a Sherlock Holmes. É uma forma de enaltecer a genialidade do
protagonista. É um personagem secundário que presencia os fatos e os conta ao
leitor, além de reproduzir as histórias contadas pelo próprio Dupin, como a do
menino que ganhava apostas de bola de gude.
O crítico Álvaro
Lins, em ensaio sobre o romance policial, afirmou que, por ter como pioneiro
Edgar Allan Poe, o gênero “pode ostentar assim uma origem realmente nobre: o
seu iniciador era um poeta com as qualidades imaginativas e intelectuais de um
gênio”.
*
Disco ouvido de
cabo a rabo hoje: o mais recente do Paulinho da Viola, que fez ontem 78 anos, traz
uma música inédita e gravações ao vivo.
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