Diário crítico (1)



07 de novembro de 2020

Diário de expressões e impressões

Expressão: colocar para fora. Impressão: trazer para dentro. O que quero nesse diário crítico, inspirado em mestres como Álvaro Lins e Paulo Hecker Filho, é escrever sobre minhas leituras diárias, qualquer leitura, sem as amarras que uma resenha necessita, em que pese nunca tenha escrito de forma engessada, assim penso. Como não será um diário de minhas angústias existenciais (que eventualmente podem estar implícitas), o que vou escrever são impressões, ou seja, o que trago para dentro de mim do que leio, o que ressoa na minha mente caótica. Porém, como vou registrar essas escrevinhações no blog e no Facebook, a rede social na internet que mais utilizo (ruim com ela, pior sem ela), acabo expressando, colocando para fora o que me inquietou. “Se chove lá fora, queima aqui dentro”, diz a letra de Nelson Motta, versão de uma canção de Pino Daniele. De certa forma, vai aparecer a problemática da escrita e também tudo que envolva a Literatura, a Filosofia, as Artes em geral. Se isso vai durar, não sei. Já interrompi muitos diários no meu blog: “Diário crônico”, “Bauman foi mais esperto”, “Diário de um fracasso anunciado”, etc, que viraram apenas “tags”. Nunca consegui manter um diário, tenho outros tantos inacabados nos meus caderninhos, que chamo de “moleskine de pobre”. A ver.

O que já li neste mês? Iniciei com a leitura do primeiro romance de Luis Goytisolo, “Las afueras”, pois pretendo finalmente ler “Antagonía”, conjunto de 4 romances desse escritor espanhol quase desconhecido por aqui. Acho que tem apenas uma tradução de um romance dele no Brasil. “Las afueras” é chamado de romance, recebeu inclusive o primeiro Prêmio Biblioteca Breve em 1958, mas na verdade é um conjunto de contos em que os nomes dos personagens se repetem, mas pouco têm a ver um com os outros, salvo algumas características e o lugar onde vivem, uma localidade aos arredores de Barcelona, daí o título. A temática gira em torno dos trabalhadores que são agregados de donos de terras e também retrata aqueles que querem uma vida melhor indo para a cidade grande, além dos conflitos familiares.

Depois, li o “Essa gente”, do Chico Buarque. Já registrei minhas impressões em uma resenha que está no blog e no “BarDoPoeta”, site do poeta e filósofo de pés sujos, o Barata. Basta reforçar aqui que o Chico é grande escritor sim, não apenas letrista. Claro que é minha impressão. Quem não concorda, “joga a pedra na Geni”.

Acabei de ler agora o romance “Matate, amor”, da escritora argentina Ariana Harwicz. Há uma tradução por estas bandas, “Morra, amor”, pela Editora Instante, mas o título perde o impacto do original, a meu ver. A história é um monólogo interior de uma mulher que recém se tornou mãe e sente menosprezada por todos, não lidando bem com a questão materna e de esposa, tendo que estar sempre à disposição para suas “funções” domésticas. É um enredo pesado, pois a personagem deixa sempre a entender que deseja matar o marido e o filho, às vezes fantasia isso, como deixar o bebê dentro do carro em dia de sol quente, por exemplo. Me lembrei durante a leitura de uma de minhas participações no júri popular (sou jurado há uns 10 anos), em que fui incumbido de decidir o destino de uma mãe que confessou ter matado o próprio filho recém-nascido. Num primeiro momento, meu desejo foi de condená-la, mas todas as circunstâncias acabaram nos levando a inocentá-la, ou seja, cometeu o crime, mas não seria condenada a permanecer na prisão, visto que a defesa, com a concordância do promotor público, pediu que o júri a inocentasse, pois ela foi acometida de depressão puerperal. Somaram-se a isso o arrependimento dela, demonstrado a todo momento no julgamento, e o apoio do marido, ao lado dela mesmo tendo sido traído. A criança não era dele, já que havia feito vasectomia, e por isso ela entrou em depressão, tendo escondido a gravidez de todo mundo.

Voltando ao livro, no decorrer do romance se nota que o que ocorre com a protagonista vai além de uma depressão pós-parto, e o leitor vai sendo arrastado nesse “tour” numa mente conturbada, até seu desfecho ambíguo. É uma boa surpresa a obra da autora, não à toa nascida no país que tem a melhor Literatura do mundo, na minha modesta e discutível impressão. Mas o diário é meu, então...


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