Meu texto na Gazeta do Sul de hoje
A resenha sobre o romance de Altair Martins saiu hoje no jornal Gazeta do Sul no caderno Mix:
A
escolha do ponto de vista é importantíssima para o desenvolvimento de
qualquer narrativa, seja um filme ou uma história em quadrinhos, por
exemplo. Nas narrativas literárias muito mais ainda, pois pode revelar
ou esconder fatos, instigando o leitor e, principalmente, prendendo-o
até a última página. Em Dom Casmurro, um dos mais
importantes romances da literatura brasileira, Machado de Assis opta
pelo narrador em 1ª pessoa, pois quem conta a história é Bentinho, o
protagonista. Devido a isso, ficamos sabendo dos fatos só pelo ponto de
vista dele e, consequentemente, não sabemos se Capitu realmente o traiu
ou não com seu amigo Escobar, apesar de ele afirmar isso o tempo todo,
inclusive achando seu filho idêntico ao outro. Não poderia estar
imaginando coisas? É o conhecido “enigma de Capitu”, que até hoje
provoca debates nos meios literários.
Altair Martins escreveu A parede no escuro (Record,
253 páginas) para tentar entender os mecanismos do narrador, servindo
até como base para sua dissertação de mestrado na UFRGS sobre o tema.
Para tanto, utiliza vários pontos de vista ao contar a história de
Adorno, padeiro que mora em uma cidade próxima de Porto Alegre, que é
atropelado em uma manhã chuvosa. O acidente é só o ponto de encontro
entre as vidas que vão se cruzar. Logo vem à mente do leitor com mais
bagagem literária romances como Caminhos cruzados, de
Érico Veríssimo. Mas a história do consagrado escritor é toda em 3ª
pessoa, focando diferentes personagens e se espraiando em capítulos
longos. O mais próximo do romance de Altair seria Enquanto agonizo, de
William Faulkner, em que cada capítulo é narrado por uma personagem
diferente. No romance de estreia de Altair Martins, os personagens
contam os fatos na 1ª pessoa, porém as mudanças de narrativa ocorrem na
mesma página de forma abrupta, requerendo um leitor atento às vozes de
cada personagem, cada uma com características peculiares, tiques de
falas ou repetições de determinadas expressões, relatando uma mesma cena
em perspectivas diferentes.
Além
da fatalidade ocorrida com o padeiro, outras questões humanas são
abordadas na história. Sentimos as angústias religiosas de sua mulher,
Onilda, sempre invocando a Jesus Cristo. A tentativa da filha, Maria do
Céu, de se acostumar a viver fora de casa e encarar sua escolha sexual.
Outros personagens acabam se cruzando, mas o mais importante é Emanuel,
um típico professor de Ensino Médio em uma escola particular, vivendo os
problemas da profissão, as relações conflituosas com seus alunos e os
pais deles. Acompanhamos sua angústia por um ato grave que cometeu. Ele,
que era tão preocupado pela ordem das coisas (tinha mania de arrumar
tudo que estava fora de lugar), acaba tendo que se deparar com a culpa
dostoievskiana pelo ato ilícito.
Não é um romance que facilita a leitura. Aliás, Altair Martins nunca quis ser um escritor fácil, como já demonstravam seus livros de contos Como se moesse ferro e Se choverem pássaros. Não fossem essas reflexões existenciais dos personagens, o romance se perderia no emaranhado das técnicas narrativas propostas pelo autor, pois a boa literatura não é apenas o trabalho elaborado da palavra, mas também uma reflexão sobre os dramas humanos. A sensação ao terminar a leitura? Parece que fui atropelado ou dei de cara em uma parede no escuro.
Comentários
Quando o Mauro voltar tu vais ficar trabalhando na revisão do jornal?
O Mauro me encheu de elogios em um e-mail (acho que era ele ainda), espero que continue publicando meus textos, pois foi um incentivo para eu escrever.