O terremoto no Haiti e as explicações religiosas
por Cassionei Niches Petry
O desastre no Haiti tem uma explicação, segundo o pastor norte-americano Pat Robertson: foi um castigo de Deus. Para o reverendo, os haitianos teriam feito um pacto com o Diabo para obterem a independência da França. Mas o pastor não está sozinho nesse pensamento. O cônsul geral do Haiti em São Paulo, George Samuel Antoine, que é cristão, disse, sem saber que estava sendo gravado pelas câmeras de um canal de televisão, que “a desgraça de lá está sendo uma boa pra gente aqui, fica conhecido. Acho que de tanto mexer com macumba, não sei o que é aquilo... O africano em si tem maldição.”
Atribuir desgraças da natureza a decisões de deuses não é nenhuma novidade na história universal. Na Grécia antiga, o deus dos mares, Poseidon, provocava terremotos com seu tridente. Zeus, o mais importante dos deuses do panteão olímpico, era responsável pelos raios destruidores. Quando havia erupções vulcânicas, era Hefaístos (Vulcano na mitologia romana) que estava forjando metais embaixo da terra. Ou seja, sempre que não temos respostas racionais para os fenômenos da natureza, elaboramos explicações através de mitos.
O fato nos remete a 1755, quando a cidade de Lisboa sofreu um terrível terremoto, seguido de um tsunami, provocando, além de desmoronamentos, incêndios em vários prédios. O número de mortos nunca foi contabilizado com precisão. Estima-se que chega a 60 mil, segundo a enciclopédia Britânica. A catástrofe aconteceu no dia 1º de novembro, dia de Todos os Santos, e como Portugal era um país extremamente católico, grande parte da população morreu sob os escombros das igrejas que foram destruídas. Isso provocou profundos debates na época, pois muitas pessoas diziam não entender a ira de Deus.
O mais famoso debate ocorreu entre os filósofos Voltaire e Rousseau. No “Poema sobre o desastre de Lisboa”, Voltaire, já que os franceses atribuíram o desastre ao um castigo divino, questiona: por que um Deus bondoso e todo-poderoso permitiria um desastre se abater sobre crianças e mulheres? “Que crime, que falta cometeram esses infantes/ Sobre o seio materno esmagados e sangrantes?” Como explicar o mal com a idéia de um Deus benevolente? “Direi vós: ‘Eis das eternas leis o cumprimento,/ Que de um Deus livre e bom requer o discernimento?’ ” Em uma carta no ano seguinte, Jean-Jacques Rousseau, defendendo sua fé, respondeu a Voltaire que os culpados de tudo foram os próprios homens, que construíram prédios tão altos em tão pouco espaço. “A natureza não reuniu ali vinte mil casas de seis a sete andares, e que se os habitantes dessa grande cidade tivessem sido distribuídos mais igualmente, e vivessem de maneira mais modesta, o dano teria sido muito menor, e talvez nulo”. Que culpa teria Deus? Além disso, segundo ele, muitos voltaram aos escombros para buscarem roupas e dinheiro e acabaram sendo engolidos pelo tsunami.
Outro filósofo, Imannuel Kant, também escreveu sobre o abalo sísmico de Lisboa, afirmando que as causas eram meramente físicas, nada tendo a ver com questões morais. Concordo com ele. Hoje, com todas as descobertas científicas, já há respostas para a maioria dos fenômenos. Todas as verdades estabelecidas pelas religiões aos poucos vão caindo por terra. Os raios não são castigos de Zeus ou Júpiter, como se pensava, tampouco a deusa Fortuna está escolhendo quem deve ter sorte ou não sobre a terra, e não é Deus que está bravo quando ouvimos trovões no céu. Além disso, pessoas boas e más, religiosas ou descrentes, qualquer um pode morrer nessas tragédias. Não há motivo para nossa mentalidade ainda presa a velhas questões religiosas continuar impondo explicações desastradas para os desastres.
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Escrevi o texto escutando a cantata Carmina Burana, de Carl Orff, que fala sobre roda da Fortuna, uma metáfora para a nossa vida, a roda que gira nos trazendo ora boa sorte ora má sorte.
Comentários
Abraços
Jô, cê tava sumida, hein?