Harold Bloom no Traçando Livros de hoje
Minha coluna de hoje no jornal Gazeta do Sul é sobre um dos livros do crítico literário Harold Bloom:http://www.gaz.com.br/gazetadosul/noticia/350197-da_incoerencia_como_qualidade/edicao:2012-06-06.html.
Da incoerência como qualidade
Cassionei Niches Petry
Os grandes escritores devem ser incoerentes. Aquele que
mantém uma ideia ou uma ideologia e deixa transparecê-las em toda a sua obra
não merece meu reconhecimento. O artista não pode nos dizer verdades, mas sim
nos fazer questioná-las. O mesmo vale para o crítico literário.
Harold Bloom,
professor da universidade de Yale, nos Estados Unidos, escreveu um livro tão
adorado e, ao mesmo tempo, detestado por muitos: O cânone ocidental. Nessa obra, Bloom comenta sobre escritores que
para ele são os melhores, “obrigatórios em nossa cultura”, lembrando que a
palavra cânone nos remete ao que serve de modelo, o padrão e, no sentido
religioso do termo, o que deve ser aceito sem ser questionado, um dogma. O
mesmo ensaísta, no entanto, escreveu outro livro, intitulado Abaixo
as verdades sagradas, cuja edição de bolso está sendo lançada pela Companhia
das Letras, com tradução de Alípio de Franca Neto e Heitor da Costa.
Incoerência? Ou ironia?
Falar sobre a verdade sempre implica em contradições. Se
afirmo que a verdade é relativa, essa afirmação torna-se relativa da mesma
forma, afinal, uma afirmação sempre pretende dizer algo verdadeiro. Derrubar
verdades, por conseguinte, resulta em criar outras que, por sua vez, podem ser
derrubadas também. As análises de Bloom vão mais além por questionar o que é
sagrado, começando pelo primeiro capítulo, que aborda a Bíblia hebraica.
Retoma, inclusive, a teoria de que ela teria sido escrita por um autor
denominado Javista, ou simplesmente J., comparando com a “hipótese” Homero, que
escreveu os poemas épicos Ilíada e Odisseia, monumentos da literatura
grega.
O capítulo inicial serve de prólogo ao resto do livro, pois
a poesia e a crença são o mote principal, relacionados a outra teoria
recorrente na obra de Harold Bloom: o agon.
Para o crítico, o agon literário
é “a luta de cada indivíduo para responder ao tríplice problema concernente às
forças em disputa do passado e do presente: mais? Igual a? ou menos que?”. Ou
seja, o poeta tem um embate forte com aqueles que vieram antes dele, o que
Bloom chama também de “angústia da influência”.
Dante, Shakespeare (o inventor do humano, segundo Bloom),
Milton e Kafka, a quem são dedicados capítulos do livro, influenciam os autores
que vêm depois deles, mesmo quem não os tenha lido. É uma influência da qual
não se pode escapar. A afirmação de Bloom pode ser comprovada pela obra do
contista Murilo Rubião. Quando o autor de O
pirotécnico Zacarias começou a chamar a atenção da crítica devido a sua
obra, logo ele foi comparado a Kafka. Rubião, no entanto, afirmou que nunca
lera o autor de A metamorfose antes
de escrever seus primeiros contos. Não adiantou, pois ele continuou sendo
considerado o representante da literatura kafkiana no Brasil.
Abaixo as verdades
sagradas introduz na obra de Harold Bloom o leitor menos especializado,
pois praticamente todos os seus temas são discutidos, destacando a visão de que
a poesia é a forma essencial de conhecimento, mais do que qualquer crença. Quem
quiser saber sobre o ser humano, deve conhecê-lo através da arte que melhor o
retrata, a literatura, que é tão incoerente e contraditória como somos todos
nós.
Cassionei Niches Petry
é mestrando em Letras, com bolsa do CNPq. Busca ser coerente na sua
incoerência. Escreve regularmente para o Mix e mantém o blog
cassionei.blogspot.com.
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