Diário de um fracasso anunciado: as angústias da criação (VII)
14/07/2012
Enquanto digito este texto, ouço um som que é música para
meus ouvidos. Instalei no computador um programa que imita o martelar das
teclas de uma máquina de escrever. Quando jovem leitor, já sonhando com uma
carreira literária, me imaginava varando a madrugada, fumando cachimbo, bebendo
muito café e batendo sem parar numa Olivetti aquilo que poderia ser uma
obra-prima.
Hoje a realidade é diferente. Não entro madrugada adentro
porque sou casado e, bem, preciso deitar cedo, trabalho no outro dia de manhã,
etc. Também não fumo cachimbo, pois minha esposa não gosta do cheiro. O café é
meu companheiro inseparável. Muito café. Quanto à máquina de escrever, nunca
tive uma e, claro, o computador é muito melhor e mais prático. Em relação à
obra-prima, vejo distante esse desejo, pois, como sou leitor exigente, não
colocaria minha produção literária, ainda inédita, num patamar ideal. Tento,
mas me falta talento para isso.
Imagens de escritores escrevendo em velhas máquinas
Remington ou Underwood são minhas favoritas nos filmes a que assisto, assim
como gosto de ler obras em que um personagem é escritor e está escrevendo. A literatura
é um grande tema, por mais que alguns críticos não vejam com bons olhos que ela
se volte sobre o próprio umbigo. Gosto de literatura, vivo-a a todo o momento,
pauto minha vida por ela e não seria nada sem ela. Sim, não seria nada. Em que
pese ser um bom pai de família, sou dispensável. O homem da casa
sempre o é. Como professor, me considero medíocre, apesar de elogios vez ou
outra ao meu trabalho. Em outras profissões também fui um fracasso,
principalmente na marcenaria, dom que meu pai tem, mas não passou para seu
filho mais velho.
Vejo um fracasso também na minha carreira como escritor. Sei
que vou publicar meu livro de contos e estou escrevendo um romance. Enfim,
estou a pleno vapor. A literatura que eu faço, porém, vai vender muito pouco e,
num meio editorial em que o que vale é o dinheiro e o marketing, não terei
muito espaço. Salvo se meus poucos e qualificados leitores consigam no boca a
boca divulgar meus escritos, se é quem eles merecem ser divulgados.
O fracasso é um dos temas do novo livro do Vila-Matas, Aire de Dylan (Ar de Dylan na edição da CosacNaify), além da metaliteratura que é
de praxe na obra do escritor espanhol. Vou escrever sobre o romance mais
adiante, pois ainda o estou degustando. Não acho ruim falar de fracasso ou se
considerar um fracassado, por isso retomo o “Diário de um fracasso anunciado”,
interrompido pois iria utilizar o título na minha dissertação, ideia rechaçada
pelo meu orientador, notório otimista. Não sou nem nunca vou ser otimista e,
apesar disso, muita coisa boa está acontecendo comigo nos últimos anos, prova de
que não é o “pensamento positivo” que resolve.
Antes ser fracassado, porém fazendo o que se gosta e com
qualidade, do que ser um sucesso produzindo mediocridade passageira. Das teclas
do meu computador, desejo que saia algo que mire um alto padrão. Posso não
conseguir, estou longe disso, no entanto é meu objetivo.
Comentários
Alguns escritores começam a publicar livros ainda muito cedo. Na casa dos vinte anos já possuem um filão de livros publicados. Diria que esses são os excepcionais. Mas como tudo nesse mundo é exceção, há aqueles que lançam tardiamente e o fazem, também, com qualidade. Graciliano Ramos, por exemplo, escreveu seu primeiro livro quando beirava já os quarenta anos. Escrever não é um exercício fácil. Não é necessário ter somnte talento. É preciso transpiração. Revisar o texto. Cortar. Emendar. Fazer rabiscos. Poucos são aqueles que sentam e escrevem obras "acabadas" e produzem num ritmo alucinante; e com qualidade. Balzac, Tolstoi ou Dostoievsky são casos atípicos. Para que chegassem a ser o que foram não o conseguiram do dia para noite.
Por isso, Cassionei, força. Vivemos num país em que os livros nunca foram a primazia da nação. Não temos historicamente um caminho alinhado pelo conhecimento. Por isso, para indivíduos ocultos pela massa seja tão difícil e árduo publicar um livro.
P.S. Terias como compartilhar esse programa que reproduz o som de uma máquina de escrever? Recordo-me que quando adolescente desejei por muito tempo ter uma daquelas máquinas com o seu onomatopeico "tac-tac", desejo que não se concretizou.
Abraços!
Ahhh!!!!
Vou baixar o programa também.
Gostaria de ler o "Arranhões", mas não fique receoso de me negar a passá-lo por email.
Sobre teu comentários nem sempre laudatórios, admiro e gosto de ter interlocutores assim, como o Altair Martins, que fez críticas severas em troca de e-mail comigo, e soube ver os pontos positivos.
Também tenho agora a biblioteca isolada da casa, na garagem, cuja porta dá para a rua. Rende mais as leituras sim.
Abraço.