Ricardo Lísias no Traçando Livros de hoje
A página que escrevo quinzenalmente para o Caderno Mix do jornal Gazeta do Sul trata do romance de Ricardo Lísias, O céu dos suicidas. http://www.gaz.com.br/gazetadosul/noticia/357704-o_inferno_dos_que_decidem_viver/edicao:2012-07-18.html
O inferno dos que decidem viver
Um dos concursos mais aguardados dos últimos anos no meio
literário foi o da edição brasileira da revista Granta, publicação britânica
que já revelou escritores como Ian McEwan e Paul Auster. O resultado foi
divulgado no último Festival de Literatura de Paraty, a Flip. Foram 20 autores,
de até 39 anos, escolhidos como “os melhores jovens escritores brasileiros”.
Segundo um dos editores da revista, “são nomes que vão ditar os rumos da
literatura nos próximos anos”. Não reprovo totalmente a lista de vencedores,
discutível como em qualquer concurso. Questiono a afirmação de que são os
melhores e que vão guiar o que vai se escrever daqui para adiante no Brasil. É
uma pretensão muito grande e que delimita os rumos artísticos. No máximo,
pode-se dizer que são autores representativos da nova geração, mas parece valer
mais o marketing do que a arte e isso não é nada bom para a literatura.
Ricardo Lísias,
36 anos, faz, com justiça, parte da lista. Desde Cobertor de estrelas (editora Rocco), de 1999, o escritor vem sendo
elogiado pela crítica e foi traduzido em alguns países. O romance O livro dos mandarins venceu vários
prêmios e foi considerado um dos melhores romances da última década. Justamente
quando escrevia essa obra, Lísias soube da notícia do suicídio de um grande
amigo. A tragédia pessoal serviu de mote para sua mais recente obra.
O céu dos suicidas (editora Alfaguara) é uma ficção, mesmo sendo
real o fato que a desencadeou e apesar de o narrador protagonista ter os mesmos
nome e sobrenome do escritor. E é uma
ficção perturbadora por abordar um tema tabu de forma muito contundente e
crítica. O protagonista sente-se indignado com a atitude do amigo que tira sua
própria vida: “minha primeira reação foi sentir ódio do André. Tenho vergonha
de dizer: mal ele tinha sido enterrado, eu o xingava, falando sozinho na rua”.
Mais revoltado ainda ele fica com a indiferença da religião por aqueles que
cometem esse ato: “no portão do cemitério dou-me conta de que não havia nenhum
tipo de trabalho religioso no enterro. Foi um suicídio. Minha irritação
aumenta, não consigo me controlar e de novo começo a gritar na rua. Os suicidas
sofrem. Deus desgraçado”.
Ricardo Lísias – o narrador-personagem, não o escritor – é
colecionador e ensina a atividade para interessados. Depois de juntar tampinhas
de garrafa, selos e cédulas antigas, ele coleciona antipatias por onde passa. A
morte do amigo e um selo que recebeu de um parente que morou no Líbano lhe
provocam duas perguntas: seu tio-avô seria um terrorista? Por que os suicidas
não vão para o céu? Quando não lhe respondem como ele deseja, lança impropérios
a torto e a direito. “Devo ter xingado todo mundo, mas quem mais ouviu foi o
André.”
A narrativa é composta por capítulos curtos e frases
rápidas, reflexo da pressa do protagonista em resolver seus problemas. O
leitor, ao mesmo tempo em que sente aversão por um personagem tão rabugento,
envolve-se com ele de tal maneira que começa a também sentir raiva do mundo, das
pessoas, das religiões, de Deus. Em consulta a um psiquiatra, Ricardo diz:
“tenho a impressão de que o mundo inteiro está gritando”. Como resposta, o
médico afirma: “Não é o mundo que grita, Ricardo, é você.” É um grito de um ser
humano desesperado, que quer continuar a viver, porém também quer compreender o
inferno ao seu redor e, consequentemente, entender o inferno dentro de si
mesmo.
Cassionei Niches Petry é mestrando em
Letras e bolsista do CNPq. Segundo um numerólogo, foi um suicida em uma
de suas vidas passadas. Quinzenalmente escreve para o Mix e
mantém o blog cassionei.blogspot.com.
Comentários
http://varenkadefatima.blogspot.com
Charlles, é só seguir o mapa, não tem erro.