BBB lembra Narciso
por Cassionei Niches Petry
Todos nós somos um pouco narcisistas, já dizia Freud. Uma das primeiras coisas que fazemos pela manhã é olhar para o espelho. Na maioria das vezes, nos assustamos com o que vemos. Começa aí todo o processo de cuidar da aparência e, dependendo do grau de narcisismo, a pessoa vai apenas lavar o rosto, escovar os dentes e pentear o cabelo. Em graus maiores, não se sai nem do quarto sem a maquiagem. Antes de sair de casa, mais uma olhadela no espelho. Na rua, até as vitrines das lojas servem para dar mais uma conferida no visual. Os vidros dos carros estacionados também servem. Vale tudo para cuidar da vaidade.
Muitos sabem o significado de narcisismo, mas poucos conhecem a história que deu origem à expressão. Diz a mitologia grega que quando nasceu o filho do deus Cefiso e da ninfa Liríope, o oráculo previu que o menino, chamado Narciso, teria vida longa, mas nunca deveria olhar para si mesmo. Até que, certa vez, ao passar por um lago, ele acabou vendo seu reflexo na superfície da água. Na versão de Ovídio, na obra Metamorfoses, Narciso ficou à beira do lago contemplando sua beleza até definhar e acabou se transformando em uma flor, a que se deu o nome de narciso. Em outra versão do mito, encantado com a figura na água, pensando que era outra pessoa, debruçou-se para abraçá-la e acabou morrendo afogado.
Os mitos tinham, entre outras funções, o objetivo de servir de ensinamento sobre fatos da nossa vida. No caso, há um alerta sobre os perigos da vaidade excessiva. O nome Narciso vem da mesma raiz grega da palavra narcótico. Ou seja, o culto exagerado da nossa beleza pode nos deixar entorpecidos e esquecer tudo e todos que estão ao nosso redor. O mais grave é se isso acontece na frente de milhões de pessoas.
O reality show Big Brother é o paraíso dos narcisistas. É nessa casa, com espelhos por todos os lados, que os participantes deixam aflorar, no mais alto grau, seu lado eu-me-amo-não-posso-mais-viver-sem-mim, para lembrar uma música do Ultraje a Rigor. Eles não passam pelos espelhos sem dar uma olhada e dar um retoque no visual, com o acréscimo de que sabem que estão sendo assistidos. Eis um paradoxo interessante. Todo o narcisismo aplicado aqui não é apenas para si próprio, mas também para os outros. Ao mesmo tempo, narcotizados que estão por ser o centro das atenções, esquecem que estão sendo julgados e não estão nem aí sobre o que o público, ou melhor, a massa vai pensar sobre sua conduta na casa.
Esse último Big Brother ressalta o exibicionismo, na medida em que grande parte dos participantes já mostrava sua intimidade em blogs, fotologs, Twiter e Youtube. Mesmo sendo acostumados a serem julgados pelos outros, mal sabem os riscos que tal exposição na mídia pode oferecer à sua imagem. Quantas pessoas não perderam empregos devido a fotos de gosto duvidoso postadas no Orkut? Se conhecessem a história do ser mitológico, saberiam que ser tão popular não é tão positivo. Já cantavam/filosofavam os Engenheiros do Hawaii: “o pop não poupa ninguém”.
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A crônica foi escrita ao som de Diamond Dogs, de David Bowie, um álbum conceitual que tem como tema justamente o romance 1984, de George Orwell, onde, como já escrevi aqui, surgiu a expressão Big Brother.
Depois, a trilha sonora foi O papa é pop, dos Engenheiros do Hawaii, cujo versos da faixa-título serviram para fechar o texto.
Comentários
Bom post, até porque sou daquelas que se acha um anjinho de Botticelli. Lendo no notebook, certas vezes, passo alguns minutos observando-me ao reflexo na tela e esqueço do que estava fazendo.
Quando vejo meu reflexo na tela do monitor me dá vontade de quebrá-lo, pois pareço mais gordo do que já sou...
Ser anjinho? Tem que mudar a cor da roupas, rsrsrs.
Quanto às aulas de filosofia, que bom que você recorda delas...