Resenha sobre Ubik na Gazeta do Sul
A resenha que escrevi aqui no blog saiu no jornal Gazeta do Sul de hoje.
Ubik e as falsas percepções da realidade
Podemos
ter certeza do que estamos fazendo agora? Eu aqui escrevendo e você aí
lendo, tudo isso é real? Será que não estamos sonhando e, na verdade,
vivemos em outro lugar ou em outro tempo? Costumo dizer: estou convicto
de que posso estar errado em minhas convicções. Estar certo de algo é
temerário, por isso que a fé, muitas vezes, é perigosa. Ser cético
sempre, também. Como disse o filósofo Henri Poincaré: “Duvidar de tudo
ou crer em tudo são duas soluções igualmente cômodas, que nos dispensam,
ambas, de refletir.”
Philip
K. Dick (ou PKD para os leitores “íntimos”) foi um escritor que
trabalhou bastante com a questão do espaço e do tempo em suas obras
literárias. No romance Ubik (Editora Aleph, 240 páginas,
42 reais, tradução de Ludimila Hashimoto), é difícil precisar, tanto
para os personagens quanto para o leitor, onde e quando os fatos estão
se desenvolvendo.
A
história se passa em 1992 (o romance foi publicado originalmente em
1969). Glen Runciter é dono de uma empresa cujos funcionários, chamados
de inerciais, são contratados para neutralizarem o poder de telepatas e
precogs (estes últimos aparecem também em outras obras de PKD, como, por
exemplo, no conto “Minority Report”, adaptado para o cinema por Steven
Spielberg). Nessa sociedade futurista, as pessoas, depois de morrerem,
são levadas para moratórios, ficando numa espécie de meia-vida, e podem
ter suas mentes ativadas para se comunicarem com os vivos. E é
consultando sua esposa em um desses moratórios que Runciter aceita um
trabalho na lua. Lá, no entanto, junto com os antipsis, cai em uma
armadilha provocada por uma empresa rival. Acontece uma explosão e
Runciter morre. O enredo passa a se centrar em Joe Chip, o qual se
torna o responsável pela empresa. Como não consegue levar a tempo o
corpo de Runciter para realizar o processo de criogênese no moratório,
fica sem poder se comunicar com o chefe. E agora, como conduzir os
negócios?
A
partir desse momento, fatos estranhos começam a acontecer. As coisas
aos poucos parecem que vão envelhecendo, como o café com leite azedo, os
cigarros se desmanchando, os elevadores que se tornam antigos. Alguns
inerciais que escaparam do atentado na lua envelhecem até se
desintegrarem. É como se o tempo tivesse retrocedendo, mas no mesmo
espaço. Juntem-se a isso estranhas mensagens em diferentes objetos e em
lugares como num banheiro público, parecendo ser uma tentativa de
Runciter, no além-túmulo, de se comunicar com Joe Chip. Bem, caro
leitor, revelar outros fatos é estragar as surpresas, que são muitas, as
quais a história ainda tem para oferecer.
Em Ubik,
o escritor nos faz refletir sobre as percepções que temos da realidade.
Nem tudo que é percebido pelos sentidos pode ser considerado real.
Assim como os personagens, que parecem ter certeza de tudo, o leitor,
julgando saber mais do que eles (aquilo de ficar dizendo, “não faça
isso” ou “vai por esse lado”), também pode estar sendo enganado. O
narrador em 3ª pessoa (falsamente onisciente) e o título do romance (que
vem de ubiquidade, a capacidade de estar em todo o lugar, onipresença)
nos levam a uma falsa interpretação. Ou seja, PKD estimula a mente do
leitor, o inquieta, tenta despertá-lo para enxergar sob um novo ângulo
as coisas que o cercam.
Philip K. Dick, que morreu em 1982, foi o autor de histórias que deram origem, além do já citado Minority Report, a outros filmes de sucesso, como Blade Runner, o caçador de androides, O show de Truman e O Vingador do Futuro. No entanto, seus livros até hoje são pouco lidos. Então, se o leitor vai conhecer pela primeira vez uma obra de Philip K. Dick, seja bem-vindo a esse grupo de privilegiados, mas espero que não fique à vontade.
Comentários
Grande texto!
=)