Meu texto no jornal Diário Regional de hoje

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Já havia publicado há alguns meses esta crônica aqui no blog. Hoje ela saiu no jornal Diário Regional, dirigido pelo poeta Dogival Duarte. (Detalhe, houve um erro de digitação no texto que mandei pro jornal, já corrigido aqui.)


Crônica de uma literatura assassinada

por Cassionei Niches Petry

Eu confesso: sou um assassino. Não premeditei esse crime, muito menos tentei justificá-lo com desculpas esfarrapadas tal qual Raskólnikov. Mas cometi, ou melhor, estou cometendo-o de forma consciente. Nenhum advogado, acredito, pegaria meu caso, afinal me declaro de antemão culpado. Sim, sou um dos responsáveis pela morte lenta e quase inevitável da literatura.

A paixão pela palavra escrita foi o que me levou a gostar da arte literária. Aliás, devo isso aos políticos, pois foi assistindo às propagandas eleitorais da campanha de 86 que aprendi a ler, juntando as letras dos nomes dos candidatos (e ficava bravo, já que, decifrando lentamente, não dava tempo para saber o cargo a que cada um concorria). Os escritos nas embalagens das balas, as quais adoçavam o chimarrão da família, também serviram. Porém, foram os gibis dos meus tios, depois os livros da estante dos meus avós (enciclopédias e dicionários) e mais adiante os da biblioteca da minha escola o passaporte para a viagem (analogia velha esta, hein?) a um mundo de fantasia que a literatura proporciona.

“Sempre imaginei o paraíso como uma grande biblioteca”, escreveu o escritor argentino Jorge Luis Borges. Era como eu me sentia na pequena sala de livros do colégio Luiz Dourado, para onde a professora Maria Geci me mandava quando eu terminava as atividades e ficava debochando dos “atrasados” (“tirminei, tirminei, tirminei”, eu cantava). Foi lá que conheci Monteiro Lobato, Ruth Rocha, Ana Maria Machado e, bem mais tarde, Fernando Sabino, Marcos Rey, As viagens de Gulliver e A ilha do tesouro. À minha primeira professora, portanto, devo a paixão pelos livros.

Por isso, decidi ser professor, para poder passar aos alunos a mesma emoção que sinto ao abrir um livro, semear novos leitores, mudar o mundo, enfim. No entanto, todos os sonhos escorrem pelas mãos quando o professor vê pela frente o conteúdo programático que deve ser seguido.

No 1º ano do Ensino Médio, por exemplo, é uma tortura, mesmo para os amantes da arte literária, ler as cantigas de amigo do Trovadorismo ou a Carta de Pero Vaz de Caminha. No 2º ano, José de Alencar é de doer, salvo um ou outro romance. No 3º ano, Os sertões, que é uma grande obra, cansa o aluno com sua linguagem rebuscada. São só alguns exemplos de obras as quais possuem qualidades, sem dúvida, mas cuja linguagem é diferente da linguagem vivenciada pelos jovens. Obrigá-los a ler, porque o vestibular pede ou porque a escola serve para ensinar o que o aluno não conhece, é afastá-los do prazer do texto. Esse prazer que é uma descoberta que acontece aos poucos, quando se descobre um autor, depois outro, que nos remete a outro, e assim por diante.

Como professor, tento seguir o que é estabelecido, cumpro ordens, sigo os conteúdos propostos. Por isso me sinto um assassino. E o pior, assassino daquilo que amo.



Comentários

Porque seguir a cartilha pedagógica tupiniquim? Porque abraçar cegamente o catecismo acadêmico? Não existe literatura além fronteiras? O aluno ficará menos 'literário' se ler Huckleberry Finn ou Jack London na escola? E o Apanhador no Campo de Centeio do Salinger, este antídoto anti-prozac tão renegado entre nós? Somos o país dos extremos na economia, na cultura, no esporte e na literatura. Ou Guimarães Rosa e seu barroquizante 'erudito da fonte popular' ou Talita Rebouças e seus 'Fala sério - neocom'. Que sinuca de bico, não?
Cassionei Petry disse…
Infelizemente, nossa profissão é uma sinuca de bico. Obrigado pelo comentário.
Iuri disse…
Subverter sempre que possível.

Duvido que o Cassionei, bom que é, em várias ocasiões não saia fora dessa "metodologia" que muitas vezes (ou quase sempre) mata a vontade e o prazer de saber e se expressar...
Cassionei Petry disse…
Meus ex-alunos, que volta e meia comentam por aqui, podem responder por mim.

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