Diário crônico XIV – O destino de uma crônica
Trabalhando
com alunos de literatura sobre o texto “O jornal e suas metamorfoses”, do livro
Histórias de cronópios e de famas, de
Julio Cortázar, me lembrei de um episódio que me marcou no início da minha
colaboração como escritor nos periódicos da minha cidade.
Corria
o ano de mil novecentos e antigamente. Eu trabalhava com meu pai na marcenaria
dele. Era o responsável pela pintura dos móveis, além de ajudá-lo na montagem.
Também nessa época, ainda estudante do ensino médio, comecei a escrever minhas
primeiras crônicas, tentando, ingenuamente, trilhar o caminho de Fernando
Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga e Carlos Drummond de Andrade, quarteto
protagonista das primeiras edições da coleção “Para gostar de ler”, da editora
Ática. Queria ser um cronista profissional como eles, ou seja, ganhar uns
“pila” com meus textos e ver meu nome estampado com letra impressa.
O
primeiro jornal que me acolheu foi o Riovale, pelas mãos do editor Roni
Ferreira Nunes, também escritor, autor do belíssimo O buscador (que tem ecos de Cortázar) e hoje advogado. Mais tarde,
o jornal Gazeta do Sul também me abriu as portas, graças à paixão pela
literatura do editor de cultura e poeta Mauro Ulrich. Desde esse momento, nunca
deixei de colaborar com a Gazeta, sendo que hoje tenho até uma coluna. (Mas
não, não me tornei profissional como desejava ingenuamente ser.)
Um
dia, montando móveis de cozinha em uma casa em reforma, vi no chão a página com
minha crônica, servindo de forro para não sujar o piso. Gotas de tinta sujavam
as palavras que escrevi. Pés pisavam sem dó a ilustração, desfigurando o rosto
da personagem Pascoalina. Juntei o jornal, amassei-o e o joguei no lixo. Pelo
menos não veria mais o meu texto sendo maltratado.
Lembrei-me
então do texto do Antonio Candido que falava do destino da crônica publicada no
jornal, que serviria como embrulho do peixe na feira. Ou então “embrulhar um
molho de acelga”, de acordo com o texto do Cortázar, que se refere ao jornal
como um todo. Um dia, quem sabe, minhas crônicas possam ser publicadas em
livros, assim como o foram as obras do quarteto acima citado.
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