Traçando Livros de hoje sobre "O professor", de Cristovão Tezza
Reflexões de um
professor
Como leitor, sou
atraído por ficções que têm como protagonistas escritores ou professores, duas
atividades que exerço, sendo que somente a última profissionalmente. O título
do novo romance de Cristovão Tezza, O professor (Record, 240 páginas),
somado à obra anterior do autor, a qual já leio há muitos anos, prometia uma
leitura prazerosa e, ao mesmo tempo, o que para mim é mais importante, artisticamente
provocadora e original. Não fechei o livro decepcionado.
O enredo traz a
história de Heliseu da Motta e Silva, 70 anos, professor de uma disciplina
acadêmica praticamente extinta nas faculdades de Letras, a filologia românica. Prestes
a receber uma homenagem da universidade pelos anos de dedicação ao ensino,
Heliseu reflete sobre sua vida, família, a própria profissão e seus bastidores,
os casos amorosos, a passagem do tempo, as questões políticas que perpassam os
anos pós-ditadura. A comparação com o clássico filme Morangos silvestres, de
Ingmar Bergman, é inevitável. O diretor sueco, porém, carrega na sua obra um
prisma onírico, enquanto O professor é
mais realista.
Quando acorda no dia
de sua homenagem, Heliseu pensa no seu discurso de agradecimento. Como se
estivesse falando para a plateia, o professor tece um emaranhado de memórias,
misturando fatos políticos, econômicos e históricos dos anos 70 e 80, quando
começou a lecionar na universidade; o início do namoro com Mônica; o
envolvimento com Therèze; o flagra que dá no seu filho, beijando outro rapaz no
seu quarto; até chegar às críticas aos governos petistas nos anos 2000.
Indivíduo e sociedade se entrelaçam e suas posições conservadoras aparecem:
"(...) eu sempre fui o tipo de sujeito que não parece estar em lugar
algum, uma pessoa sem nitidez, um sujeito indeciso, um esquisito sem partido,
um reacionário, como uma vez
entreouvi naquele mesmo café, ele nem
chega a ser de direita (...)”.
Tezza conseguiu se
tornar um best-seller com o romance O
filho eterno, traduzido em vários países e com uma ótima vendagem no
Brasil. Isso possibilitou sua aposentadoria precoce da carreira universitária
(era professor de linguística) para poder se dedicar integralmente à
literatura. Com um olhar agora distante e mordaz, Cristovão Tezza expõe um
painel crítico ao meio acadêmico. Entretanto, são as angústias e revelações do
protagonista sobre sua vida pessoal e o trabalho complexo com a linguagem os pontos
a destacar em O professor. Pode-se
notar, portanto, que o autor não se deixou levar pelo canto da sereia do
mercado e produziu uma obra cujo sucesso, provavelmente, não será o mesmo de O filho eterno, porém o mantém como o
grande nome da literatura brasileira.
Cassionei Niches Petry é professor, mestre
em Letras e escritor. Publicou Arranhões
e outras feridas (Editora Multifoco) e recentemente, em e-book, seu primeiro
romance, Os óculos de Paula (edição
Kindle/Amazon). Escreve regularmente para o Mix e mantém um blog,
cassionei.blogspot.com.
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