Diário crônico XXII – A escola não é assassina



 Atentem para a seguinte declaração do escritor Ferréz, autor de Capão pecado e Manual prático do ódio, dada no programa Provocações da TV Cultura: “os professores tinham que ser treinados para ter amor pela literatura, porque a escola é uma assassina de leitores, quando ela manda resumir um livro em 20 linhas ela assassina qualquer tipo de leitor futuro.”
Essa afirmação é de um total desconhecimento tanto de educação quanto de formação do leitor. Primeiro porque não é papel da escola fazer com que o aluno goste de literatura, mas sim mostrar a ele tudo que se fez de importante na história da humanidade em matéria de cultura, arte, pensamento. Aí se inserem as obras literárias. Geralmente, é um mundo do qual o educando tenta se afastar de qualquer forma, afinal há outras prioridades na sua vida que ficam a quilômetros de distância do conhecimento. O que é normal. Não é por isso que o professor vai deixar de, pelo menos, dar a oportunidade do jovem conhecer esse mundo. Se não o fizesse, estaria sonegando o acesso ao saber.
Não é a escola que assassina o leitor. Eu até pensava dessa forma e escrevi um artigo, intitulado “Crônica de uma literatura assassinada”, em que me culpava por supostamente afastar os alunos dos livros. Penso um pouco diferente hoje. Claro que há muitos professores que dão aulas de língua portuguesa e não gostam de literatura. Esses são perigosos. Muitos, porém, como eu, são apaixonados por ela, mas se veem obrigados a solicitar trabalhos porque os alunos não leem de forma nenhuma, a não ser por pressão. E aí vem o segundo ponto, a formação do leitor. Simplesmente há aqueles que têm mais aptidão para gostar de ler e outros não. É o caso do próprio Ferréz. Despertado por leituras de Hermann Hesse, ele acabou buscando outros autores e livros, criando sua rede de escritores preferidos. Nenhuma escola o tirou essa paixão, nenhuma influência de outras pessoas o fez mudar de caminho. Se há assassinos da literatura, elas são os diversos tipos de entretenimento mais interessantes do que um livro. O jovem até poderia conciliá-los, mas não o faz, por diversos motivos, entre os quais ouvir pessoas dizerem que cumprir tarefas não é prazeroso e, por isso, não deve ser feito.
 Quando um escritor vem a público fazer uma crítica sem fundamento à escola, mais alunos vão ver nela uma inimiga. Ferréz faz um grande desserviço, ele que é uma espécie de porta-voz da periferia, dos desassistidos da sociedade, até porque também milita na cultura Hip Hop. Ele deveria dizer "molecada, vamos estudar e ler. Se é chato ou não, não importa, o importante é construir conhecimento. Os professores não são inimigos. Se eles pedem para resumir ou falar para a turma sobre um livro chato, é porque esse livro, em algum momento, disse alguma coisa para humanidade e continua dizendo, caso contrário, como muito outras obras, já teria caído no esquecimento. Se vocês não lerem, outros lerão, e terão mais conhecimento do que vocês.”
Agora, se o conhecimento não é importante, não há nada a fazer. E viva a burrice!

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