Diário crônico XXIII – Lembranças de um estudante
Abro
a página do word e deixo a folha em branco a minha frente. O programa “Pianíssimo”,
na rádio Cultura Fm de São Paulo, toca Ernest Chausson e o seu “Quarteto com
piano opus 30”. Aciono o “qwertick”, programinha do computador que simula o som
de uma máquina de escrever quando digito as teclas do meu computador. Somente assim
consigo criar uma crônica. Preciso do som de música clássica e do matacrear de
uma máquina de escrever.
A
página em branco materializa na minha frente uma imagem da noite anterior em
que, pela primeira vez depois de mais de 20 anos, entro na sala em que tive
meus primeiros dois anos de estudante. Sou, agora, professor, nesse momento
ministrando aula de Língua Portuguesa instrumental para uma turma do curso
Técnico em Hospedagem. Pois meu coração hospeda a nostalgia. Vejo em uma das
classes aquela criança de sete anos que entrou na escola já sabendo ler e que
por isso surpreendeu a professora Maria Geci ao decifrar as palavras contidas
em uma gravura sobre o Dia dos Pais. A sala não mudou muito depois desses anos
todos, tendo inclusive ainda o armário velho onde eram guardados nossos
trabalhinhos. Mudaram as classes e a lousa, antes verde, agora branca.
Por
saber ler e ter facilidade para aprender, terminava as atividades antes dos
colegas e ficava incomodando os demais ao cantar uma musiquinha irritante que
dizia “tirminei, tirminei, tirminei, eu tirminei, eu tirminei, eu tirminei”. A
professora, então, me conduzia à pequena biblioteca escolar, onde tive contato
com o mundo mágico da literatura.
Se
foi nessa mesma sala que mostrei ao mundo minhas qualidades, foi também nela
que minha incapacidade para desenhar se tornou notória. Para cada letra do
alfabeto estudada, um aluno se responsabilizava em desenhar algo que começasse
com tal letra, desenho que seria exposto sobre o quadro verde. Quando foi a vez
da letra G, tomei coragem e me ofereci para ser o artista. Em casa, desenhei
cuidadosamente um galo. Ao mostrar minha obra à professora, ela fez uma cara
estranha e disse que até não estava tão mal o desenho, porém, o galo deveria
ter duas patas e não quatro!
As
semanas passaram e chegou a vez da letra O. Tentando me redimir do erro, pensei
“agora vou caprichar no desenho de um ovo”. A professora ficou na expectativa
de que desenhasse um lindo ovo de Páscoa, bem colorido. Pois o artista aqui fez
um pequeno círculo a lápis na folha branca e outro círculo no meio, pintando-o
depois de amarelo, e pronto! Estava desenhado um maravilhoso ovo frito!
Hoje,
nas minhas aulas, mostro de vez em quando meus dotes de desenhista para
ilustrar algum conteúdo, sendo que meu desenho preferido é o das personagens Palito
e Palita. Como ilustração dessa crônica, uma das minhas obras-primas.
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