No Traçando livros de hoje, Yukio Mishima
A máscara ou a vida?
Sempre
que se escreve algo sobre o escritor japonês Yukio Mishima, nascido em 1925, a primeira coisa dita é que ele, em
1970, no quartel das Forças Armadas de Tóquio, suicidou-se junto com seus
seguidores praticando o seppuku, conhecido
por nós ocidentais como harakiri. Trata-se
de um ritual de guerreiros samurais que consiste em cortar o próprio ventre com
um sabre, demonstrando assim sua coragem, determinação e honradez. Por fim, o
suicida é decapitado por outra pessoa. Serviu, no caso de Mishima, como forma
de protesto por não ser ouvido na reivindicação da volta aos valores imperiais japoneses.
Em
um dos seus contos, “Patriotismo”, escrito nos anos 50 e publicado em Morte em pleno verão (editado no Brasil
pela Rocco, já fora de catálogo, mas encontrável em sebos), Mishima descreve o seppuku de um tenente da força imperial
japonesa cujos amigos participam de um golpe. Ele deveria atacá-los, mas se vê
impedido de fazê-lo. Para salvar sua honra, decide praticar o ritual junto com
sua esposa, fiel a ele. Fazem sexo pela última vez e depois os dois tiram a
suas próprias vidas, ela o ajudando e após passando o punhal no seu próprio
pescoço. Os detalhes são descritos de uma forma impressionante, deixando o
leitor sem fôlego, o que me fez colocar o conto na minha lista dos 10 maiores
relatos da história da literatura. Em 1966, quatro anos antes de sua morte, o
próprio escritor adaptou a história para um curta-metragem mudo em que também
atua. Só recentemente o filme veio a público e está disponível na internet
Reli
há pouco seu primeiro romance de sucesso, Confissões de uma máscara (Companhia das Letras, tradução de Jaqueline Nabeta, 200
páginas), publicado em 1949. Considerado autobiográfico, traz as memórias de
Koo-chan, desde sua infância até os vinte e poucos anos. Na adolescência,
percebe os primeiros sinais de sua homossexualidade e também tem fantasias sadomasoquistas.
Precisa, no entanto, se comportar como um menino. “A relutante máscara começara
a nascer.” Seu primeiro amor platônico é o jovem Omi, mas antes se sente
excitado pela reprodução de uma pintura retratando São Sebastião nu, amarrado a
uma árvore e com flechas cravadas no seu corpo. “Minhas mãos, completamente sem
consciência, iniciaram um movimento que nunca tinham sido ensinadas a fazer.
Senti alguma coisa secreta, radiante, subindo dentro de mim, velozmente, rumo
ao ataque. Subitamente jorrou, trazendo consigo uma embriaguez ofuscante.”
Começa
a namorar uma jovem, Sonoko, mas não sente nada por ela. É apenas mais uma
tentativa de mascarar a realidade que ele ainda não compreende, assim como não
compreende a Segunda Grande Guerra em que seu país está envolvido, até porque a
guerra dentro dele é mais intensa.
Koo-chan
também pensa no suicídio, assim como o escritor que o criou, mas “em vez disso
esperaria por alguma coisa que me fizesse o favor de me matar”. Por isso queria
servir ao exército e morrer em combate, mas não foi selecionado devido à saúde,
o que aconteceu também com o próprio Mishima, prova de que a obra é realmente
autobiográfica.
Parafraseando
uma crônica de Drummond, o romance nos questiona: a máscara ou a vida?
Continuamos a usar máscaras para sermos aceitos perante os outros ou devemos
viver a nossa vida como achamos que ela deve ser vivida? Quantas máscaras você
tem no seu armário, caro leitor?
Cassionei
Niches Petry é professor, mestre em Letras e escritor. Publicou Arranhões e outras feridas
(Editora Multifoco) e recentemente, em e-book, seu primeiro romance, Os óculos de Paula (edição
Kindle/Amazon). Escreve regularmente para o Mix e mantém um blog,
cassionei.blogspot.com.
Comentários
Quanto ao livro, li há mais de quarenta anos, creio, ainda na minha adolescência, pelo Círculo do Livro e, creia, marcou-me pela qualidade literária e pelo relato, especialmente levando-se em conta a época.